Tem crescido nas redes sociais campanhas para a redução da maioridade penal para 16 e até para 14 anos, na carona de alguma comoção recente que tenha ocorrido por conta de algum crime envolvendo a participação de menores. Mas seria esta realmente a solução para os nossos problemas de violência urbana? Talvez um pouco mais de reflexão sobre o assunto seja necessário antes de uma opinião tão contundente.
Muita gente diz que o jovem pratica o crime sabendo que não vai para a cadeia por causa da suposta benevolência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Puro equívoco. Primeiro, é sabido por todos os médicos e pedagogos que o jovem age no crime por puro impulso, oportunidade e até por falta de perspectiva. Quem disser que um menor de idade se sente acolhido pelo ECA para praticar crimes, dá a entender que o jovem leu o Estatuto e descobriu ali que poderia fazer qualquer coisa impunemente, o que é absurdo. Segundo, o ECA só é lembrado quando um adolescente comete um crime, mas nunca quando ele é vítima de maus tratos, violência sexual ou abandono. Dois pesos, duas medidas? Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos,
Nos últimos meses, pesquisas divulgadas por algumas instituições reforçaram o entendimento de que as principais vítimas da violência alarmante que toma conta do Brasil são crianças, adolescentes e jovens. Um recente trabalho coordenado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo) analisou mortes de jovens entre 1980 e 2002, concluindo que os homicídios contra crianças e adolescentes representaram nesse período 16 % do total de casos ocorridos no País; 59, 8% dos crimes foram praticados com armas de fogo. O último estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), divulgado no final do ano passado, afirmou que 16 crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil. Entre 1990 e 2002, essas mortes aumentaram 80%.
Depois vêm aquelas frases de efeito na internet – porém totalmente falsas – que dizem “no Brasil, menor pode roubar, pode matar, pode estuprar, etc.”. Pode mesmo?
Essas pessoas que repetem os clichês que veem e ouvem precisam saber que, no Brasil, a vida desses jovens está muito longe de ser uma maravilha. Ao contrário do que diz o cartaz, milhões de crianças e adolescentes trabalham muito e no serviço pesado desde cedo, quando não deviam. Quando chegam perto dos 18 anos, por não terem sido educados no tempo devido, não conseguem emprego. Muitos não levam “palmadinhas” mas são surrados por suas famílias, espancados, mortos de tanto apanhar. E dos 12 aos 17 anos, não podem ser presos, mas respondem por seus crimes. Não poderia ser mais enganosa a propaganda acima.
É claro que não podem cometer crimes, nem eles, nem ninguém. Para os menores, existe o cumprimento de pena em estabelecimento socioeducativo. Agora eu me pergunto: o que se ganha tirando um menor de idade de um estabelecimento corretivo para jogá-lo dentro de uma penitenciária, verdadeiras escolas do crime como as que conhecemos? Isso resolveria o quê? Nada. Mas continua sendo vendida como solução da criminalidade.
De cada 100 crimes no Brasil, apenas 1 é praticado por menor de idade. Seria inteligente nos concentrar neste 1 por cento? Muito mais importante e produtivo do que sugerir o aumento da punição, é atacar o verdadeiro problema da violência brasileira: a brutal desigualdade social e econômica que joga milhares de jovens na criminalidade todos os dias, especialmente nas grandes cidades brasileiras. Enquanto as pessoas não atentarem para este fato crucial, se distraindo com superficialidades como a diminuição da maioridade penal em vez de exigir políticas públicas para diminuir esse fosso social, nada será realmente resolvido.
Atualizado em 23 de outubro de 2014