Metodologia científica - Variáveis
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Metodologia científica - Variáveis


Metodologia científica - Variáveis

Marcelo Miranda / Alfredo Silveira / Fernando Richartson


Conceito de variável

            Uma variável pode ser definida como classificação ou medida, quantidade variável, conceito operacional que expressa valores, aspecto, propriedade ou fator, que pode ser distinguido em um objeto examinado e que seja susceptível à medição.
            De maneira simbólica, podemos idealizar o "universo" da ciência como organizado em três níveis: no primeiro, acontecem as observações dos fatos e fenômenos reais; no segundo, estabelecem-se as hipóteses; no terceiro, emergem as teorias e hipóteses válidas. A passagem de maior interesse e importância é a que ocorre entre o primeiro e o segundo nível, que é por sua vez fundamenta no enunciado das variáveis. De forma esquemática podemos descrever esta relação como:
Nível I - Observações → (Variáveis) → Nível II - Hipóteses → Nível III - Hipóteses Válidas e Teorias

Variáveis dependentes e independentes

            A variável independente  é definida como a que exerce influência sobre outra variável, determinando ou afetando o resultado observado na segunda, com precisão e regularidade. É geralmente manipulada pelo pesquisador em seus experimentos a fim de procurar estabelecer a sua relação e influência sobre o resultado de um fenômeno observado.
            A variável dependente  resume-se nos fenômenos ou fatores explicados ou identificados, por serem influenciados ou determinados pela variável independente. É o elemento que surge, se altera ou desaparece quando o investigador introduz, modifica ou remove a variável independente.
            No contexto da pesquisa a variável independente é o antecedente e a variável dependente é o consequente. Os cientistas procuram fazer previsões acerca do comportamento das variáveis dependentes com base no aspecto das variáveis independentes, e, de maneira inversa, podem desejar aclarar um determinado fato ou fenômeno (variável dependente), por meio da identificação do acontecimento (variável independente) que o ocasionou.
            A seguir descrevemos alguns exemplos de variáveis e suas relações de dependência:
·         Considere um automóvel viajando em velocidade constante . Se aplicarmos ao veículo uma aceleração positiva , durante um intervalo de tempo , o automóvel passará a se locomover em velocidade , que será necessariamente superior a . Logo,  aceleração aplicada ao automóvel e  variação da velocidade do veículo;
·         Um líquido  de densidade , colocado em um recipiente de volume  de forma a ocupar toda sua capacidade, pesará mais do que o líquido  de densidade  menor do que , quando colocado no mesmo recipiente de volume , também de maneira a ocupar toda sua capacidade. Desta forma, variação da densidade do líquido colocado no recipiente e  variação do peso do recipiente quando ocupado pelo líquido;
·         Indivíduos filhos de pessoas que possuem forte preconceito religioso tendem a apresentar este tipo de preconceito com maior intensidade do que aqueles cujos pais não tem nenhum tipo de preconceito de religião. Assim,  existência ou não existência de preconceito religioso nos pais e  nível de preconceito religioso dos indivíduos.
            Existem situações nas quais a variável independente apresenta mais de uma condição:
·         O tempo de reação a um estímulo visual é inferior ao tempo de reação a um estímulo auditivo. Neste caso,  estímulo luminoso,  estímulo sonoro e  tempo de reação ao estímulo;
·         Se a aplicarmos a um corpo de massa  uma força de intensidade , a aceleração  obtida pelo corpo será diretamente proporcional a intensidade da força e inversamente proporcional à sua massa. Logo,  intensidade da força,  massa do corpo e  intensidade da aceleração;
·         As variações do estado físico da matéria influenciam o volume ocupado por uma determinada quantidade da mesma. Logo,  estado sólido,  estado líquido,  estado gasoso e  volume ocupado.
            Destacam-se ainda hipóteses onde uma variável independente exerce influência sobre mais de uma variável dependente:
·         Para se locomover, um automóvel necessita consumir combustível com a conseqüente emissão de gases tóxicos. Assim,  locomoção do automóvel,consumo de combustível e  emissão de gases tóxicos;
·         O susto provocado por um barulho intenso e inesperado faz com que o indivíduo fique com o pulso acelerado, transpire com maior intensidade e fique com as pupilas dos olhos dilatadas. Desta forma,  susto com um barulho intenso e não esperado,  aceleração do pulso,  aumento da transpiração e  dilatação das pupilas.
            Na questão fundamental de identificar em uma relação qual a variável capaz de ser influenciada, alterada ou determinada pela outra, destacam-se dois fatores distintos no estabelecimento do sentido de influxo das variáveis: a ordem temporal e a fixidade ou alterabilidade das variáveis.
            A ordem temporal tem sua influência na determinação da relação de dependência baseada no princípio de que algo que ocorreu depois não pode influenciar no que aconteceu antes. Desta forma, a variável anterior no tempo é a independente e a que ocorre em seguida é a dependente.
            Tomemos como exemplo uma situação na qual encontramos uma relação entre a duração do noivado e a subsequente felicidade conjugal. Como o noivado ocorre antes na seqüência temporal conclui-se que este representa a variável independente. O mesmo princípio aplica-se para o caso em que constatamos que à frustração segue-se a agressão. Como a agressão surge como antecedente na ordem temporal conclui-se que esta é a variável independente.
            Em muitos casos, a ordenação temporal, apesar de não ser aparente, pode ser reconstituída de maneira indireta. Ao encontrar uma relação inversa entre o nível de renda do indivíduo e a sua participação em organizações recreativas, pode-se presumir que a prioridade temporal da condição econômica é mais provável do que o contrário. Ou seja, é mais comum que um indivíduo com elevado nível de rendimentos faça parte de uma organização recreativa, do que alguém que pertença a este tipo de organização tenha, necessariamente, elevado nível econômico.
            Em determinadas situações a ordem temporal das variáveis não pode ser determinada. Ao se constatar que os membros dos partidos republicanos são mais conservadores do que os membros dos partidos democratas, não é possível ordenar no tempo a tendência ao comportamento conservador e à filiação política, isto é, não é praticável inferir se o indivíduo é conservador porque é republicano, ou que tornou-se republicando porque era conservador. De forma semelhante, constatando-se que os povos que vivem da agricultura são mais pacíficos, não é possível determinar se são mais pacíficos porque vivem da lavoura, ou se foi a sua insuficiência bélica que os levou a tornarem-se agricultores.
            Apesar de importante, a ordem temporal não é um guia infalível na determinação de uma relação causal. Ao estudaram-se os aspectos que caracterizam os indivíduos que nasceram negros e pobres e que assim permaneceram por toda vida, não é possível determinar que uma das variáveis tenha precedência temporal, porém, evidentemente, a variável independente é a raça, não por aparecer primeiro na seqüência temporal, mas sim por ser a única que permanece inalterada, ao contrário da condição socioeconômica, que pode ser modificada.
            A fixidade das variáveis pode ser exemplificada por algumas variáveis, intensamente empregadas nas ciências biológicas e sociais, que são consideradas fixas ou não sujeitas à influência, dentre as quais podemos citar: sexo, raça, idade, ordem de nascimento e nacionalidade. Os homens são mais sujeitos ao enfarte; os brancos são menos alienados do que os negros; os jovens freqüentam mais o cinema que os mais velhos; isto é, o sexo não é determinado pelo fato de alguém sofrer ou não um enfarte; a alienação não define a raça; freqüentar muitas sessões de cinema não torna a pessoa mais jovem.
            Outras variáveis importantes apresentam-se relativamente fixas, porém não absolutamente, pois em alguns momentos admitem elementos de reciprocidade tais como status ou classe social. Como exemplos podemos mencionar a correlação que pode existir entre status e filiação a determinadas entidades, visto que é possível que um indivíduo se afilie a alguma entidade com o intuito de elevar o seu status, ou ainda a correlação entre o estilo de vida e a classe social, uma vez que o indivíduo pode modificar seu estilo de vida a fim de freqüentar o círculo adequado que lhe permite obter um emprego ou função que o faça ascender na escala social.
            Resumidamente, quando em uma relação entre duas variáveis se identifica uma que é fixa, ou relativamente fixa, podemos classificá-la como determinante (independente), a não ser que no caso das relativamente fixas, o crescimento dos aspectos de reciprocidade promovam uma inversão no sentido da relação causal.

Variáveis moderadoras e de controle

            A variável moderadora  é um fator ou propriedade que também é condição ou estímulo para que ocorra um determinado resultado ou consequência, porém situa-se em nível secundário quando comparado à variável independente, apresentando, portanto, menor importância do que esta. É manipulada e aferida pelo investigador a fim de determinar se ela influencia ou modifica a relação entre a variável independente e o fenômeno observado (variável dependente). Tem relevante importância na investigação de problemas complexos, em função da existência ou suspeita de diversos fatores inter-relacionados e por sua contribuição na determinação da influência dos diferentes fatores na relação entre as variáveis independente e dependente.
            Por exemplo, entre estudantes da mesma idade e com semelhante nível de inteligência, o desempenho de habilidades está diretamente relacionado com a quantidade de treinos práticos, especialmente entre os meninos e menos especialmente entre as meninas. Ou seja,  quantidade de treinos práticos,  desempenho de habilidades e  sexo dos estudantes (modifica a relação entre  e ). Entre trabalhadores temporários de mesma área de atuação e tipo de atividade semelhante, o tempo de exercício está relacionado com a percepção de valorização do seu trabalho por parte da empresa tomadora, particularmente entre os do sexo masculino e sem conjugue e de modo menos acentuado entre os trabalhadores do sexo feminino com companheiro. Isto é,  tempo de exercício da atividade,  nível de percepção de valorização do seu trabalho por parte da empresa contratadora e  sexo e estado conjugal do trabalhador .
            A variável de controle  é um fator ou propriedade que o investigador elimina de maneira proposital em uma pesquisa, a fim de impedir que produza interferência na análise da relação entre as variáveis independente e dependente. Possui importante atribuição na investigação de situações complexas, quando se conhece que um resultado não tem somente uma causa, mas está sujeito a sofrer influência de diversos fatores. Não interessando ou não sendo possível ao investigador analisá-los completamente em um determinado experimento, torna-se necessário eliminá-los para que não preponderem sobre o fenômeno analisado.
            Por exemplo, uma vez que se conhece que tanto a idade quanto o grau de inteligência da criança têm relação com o desempenho de habilidades, torna-se necessário neutralizar estes fatores (idade e nível de inteligência) caso se deseje correlacionar o desempenho de habilidades com o número de treinos práticos. Isto é,  idade  e grau de inteligência  número de treinos práticos e  desempenho de habilidades. No estudo dos trabalhadores temporários suspeitou-se que a área de atuação e o tipo de atividade exercida poderiam influenciar na percepção do trabalhador quanto à valorização do seu trabalho por parte da empresa contratadora. Como interessava ao investigador somente correlacionar o tempo de exercício da atividade com o sentimento de valorização do trabalho, os fatores área de atuação e tipo de atividade foram convertidos em variáveis de controle e eliminados. Ou seja,  área de atuação  e tipo de atividade  tempo de exercício de atividade e  nível de percepção de valorização do seu trabalho por parte da empresa contratadora.

Variáveis extrínsecas e componentes

            A despeito do interesse do investigador em encontrar uma relação entre duas variáveis é preciso sempre verificar se a ligação identificada é inerente às duas variáveis ou trata-se de uma conexão acidental com uma variável associada. Quando o último caso ocorre diz-se que a relação é ilegítima, significando que nenhuma variável exerce efeito sobre a outra, por serem indicadores alternativos do mesmo conceito, ou estão casualmente relacionadas.
            Suponha um estudo no qual encontrou-se uma correlação entre a profundidade do sono e qualidade do humor da pessoa no dia seguinte. Uma análise mais criteriosa constatou que o resultado encontrado era falso, pois na verdade a profundidade do sono é que era influenciada pela qualidade do humor do indivíduo ao ir para cama. Ou seja, ao invés de "profundidade do sono"  → "qualidade do humor no dia seguinte" , o que havia era "qualidade do humor" (variável extrínseca)  → "profundidade do sono"  e "qualidade do humor"  → "qualidade do humor no dia seguinte" . A identificação de uma relação espúria não deve levar o pesquisador a, necessariamente, abonar a investigação, visto que ele poderia deslocar seus estudos para análise da relação existente entre a qualidade do humor e a profundidade do sono do indivíduo.
            Outro caso de relação espúria pode ser exemplificado por meio de um resultado que constata na Suécia uma correlação entre o número de cegonhas existentes em uma determinada região e a taxa de natalidade da mesma região. Certamente não há necessidade de maior reflexão quanto à presença ou não de uma relação entre o número de cegonhas (variável independente) e o número de crianças (variável dependente), pois, obviamente, ambas são influenciadas por um terceira variável. Desta forma, "área rural ou urbana"  → "número de cegonhas"  e "área rural ou urbana"  → "número de crianças" . Novamente o resultado obtido pode conduzir o pesquisador à outra investigação. Como não há objeção quando ao fato da zona rural conter maior número de cegonhas pode ser de útil verificar por que essas regiões são caracterizadas por altas taxas de natalidade.
            As variáveis de caráter social têm a propriedade de apresentarem-se "em blocos", ou seja, indivíduos, grupos, associações, regiões etc. podem ser distinguidos em termos de uma multiplicidade de dimensões. Por exemplo, diversos estudos demonstram que os operários são menos esclarecidos do que os escriturários. Esta diferença quanto ao nível de alienação pode ser atribuída a vários aspectos, dentre os quais citamos: nível de instrução, de salário, de quociente de inteligência, de capacidade de abstração de pensamento, de educação e de preconceito quanto à questões econômicas, sociais e políticas. Desta forma, o que, particularmente, na condição de operário o conduz a uma maior alienação? Quais as variáveis componentes  do conceito "operário" têm maior ou menor influência no resultado obtido?
            Em sua pesquisa o investigador social manipula muitos conceitos globais, compostos de numerosos sub-conceitos ou variáveis componentes. Por exemplo, o conceito classe social é formado pelos componentes educação, renda, família etc. A "personalidade autoritária" reúne uma visão hierárquica do mundo, submissão à autoridade, rigidez no pensamento, agressividade no mando, caráter punitivo acentuado etc. Desta forma, na investigação da relação entre uma variável independente global e uma variável dependente, o que mais importa é conhecer quais componentes do conceito global ou quais deles associados efetivamente influenciam a variável dependente analisada. Ao lidar com um conceito global seleciona-se como elemento de análise uma variável componente  que expresse a variável independente global a fim de sobre ela estabelecer controle. Se a relação desaparece, então a variável controlada era a responsável pelo resultado obtido; se a relação não se modifica, conclui-se que a variável sob controle não exerce influência sobre resultado examinado; se, finalmente, a relação se atenua de maneira excessiva, deduzimos que a variável componente é o fator de maior importância para justificar o resultado observado.

Variáveis intervenientes e antecedentes

            A variável interveniente  é a que se coloca entre a variável independente  e a dependente  com a função de ampliar, atenuar ou eliminar a influência da variável  sobre a variável . Três relações assimétricas devem estar presentes para que se afirmar que uma variável é interveniente:
·         Uma relação entre a variável independente e a dependente;
·         Uma relação entre a variável independente e a variável interveniente, na qual a variável interveniente atua como dependente (efeito da independente);
·         Uma relação entre a variável interveniente e a variável dependente, na qual a variável interveniente atua como independente (causa da dependente).
            Como exemplo podemos citar o caso em que encontrando-se uma correlação entre residir na área rural e dar maior ênfase ao elemento "obediência" na educação das crianças, pode-se levantar a hipótese de que os moradores do campo estimam a obediência em virtude do seu estilo de vida conceder maior importância aos valores tradicionais. O apego à tradição é caracterizado por uma aceitação, sem críticas, das normas e condutas sociais vigentes e a transmissão destas normas demanda, por sua vez , uma maior ênfase quanto à obediência na educação dos filhos. A fim de que o tradicionalismo possa ser classificado como variável interveniente precisamos identificar três relações assimétricas: a) entre a residência rural-urbana e a ênfase na obediência; b) entre a residência rural-urbana e o tradicionalismo; c) entre o tradicionalismo e a ênfase na obediência. Encontrando-se as relações assimétricas, a variável será interveniente, se ao estabelecer-se controle sobre ela (tradicionalismo) observarmos o desaparecimento da relação entre residir na área rural-urbana e dar ênfase na obediência.
            A variável antecedente  é a responsável por explicar a relação entre a variável independente  e a variável dependente . Não promove "desvio" na relação , porém elucida as influências que antecederam esta dependência. Para determinar que uma variável é antecedente três requisitos devem ser satisfeitos:
·         Deve existir uma relação entre as variáveis antecedente, independente e dependente ;
·         O controle exercido sobre a variável antecedente não deve promover o desaparecimento da relação entre as variáveis independente e dependente;
·         O controle exercido sobre a variável independente provoca o desaparecimento da relação entre as variáveis antecedente e dependente.
            Como exemplo citamos um estudo realizado sobre condutas anti-sociais de menores, que encontrou uma clara dependência entre as condutas anti-sociais  e a desorganização familiar . A fim de se identificar qual a principal causa da desorganização familiar sugeriu-se que ela era influenciada por condições socioeconômicas desfavoráveis e precárias, isto é, "condições socioeconômicas desfavoráveis e precárias"  "promovem desorganização familiar" , que por sua vez ocasionam "condutas anti-sociais nos menores" .
            Tem-se desta maneira uma melhor compreensão quanto à cadeia causal que levou ao comportamento de condutas anti-sociais dos menores. A análise desta cadeia pode ser pormenorizada tanto quando possível sob o ponto de vista teórico, de forma a se obter um entendimento ainda maior sobre o processo estudado.



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