Daniela Mussi escreveu um artigo muito esclarecedor no blog Convergência (A esquerda e as eleições: recolocando a estratégia em seu lugar) sobre o PT e seu projeto de governo colocado em prática nos últimos anos. Utilizando o conceitotransformista de Antonio Gramsci, a autora revelou como o Partido dos Trabalhadores operou a sua metamorfose desde um partido de bandeiras de lutas por reformas sociais a uma legenda da ordem, alinhada com os setores conservadores-moderados da sociedade.
Para a autora, hoje está acontecendo um esgotamento da confiança do eleitor no governo. A insatisfação da sociedade brasileira com os rumos do país, no entanto, precederam a chegada do PT ao poder em 2002 e foi o que propiciou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, depois de quatro tentativas. O que acontece é que o partido não cumpriu o que foi eleito para fazer, provocando os sucessivos desapontamentos como suas lamentáveis alianças com os setores mais reacionários da sociedade em nome de uma ficção chamada “governabilidade”. Aliás, essa crise demorou até a chegar porque a metamorfose petista de partido de oposição para partido alinhado aos setores mais conservadores já vinha acontecendo desde os anos 90, embora sem ser muito notado. Para Daniela, o PT já não era o PT quando chegou ao poder, e a eleição de Lula em 2002 cercou os trabalhadores de expectativas não correspondidas, exatamente como a abertura política do país em 1985,
A vitória de Lula repetiu, como farsa, o fim da ditadura militar. Isso por que este governo carregou consigo os antagonismos da transição brasileira para a democracia: em um polo, o pacto entre uma fraca burguesia industrializante, uma vampiresca burguesia rural e o aventureiro capital financeiro; em outro, uma classe trabalhadora em pedaços, explorada, precarizada e perseguida, oprimida e estigmatizada. Apesar desta enxergar nas eleições do PT uma nova chance para recomeçar sua história, não havia, ali, uma “hegemonia” capaz de substituir o arranjo político anterior.
Daniela afirma, com toda a razão, que o atual esgotamento que o PT enfrenta, com desempenhos cada vez menos robustos a cada nova eleição presidencial, não é, de fato, uma crise do PT: é uma crise “das classes que o hegemonizam”, ou seja, do modelo de conciliação com as elites que o PT sustenta ao invés de se alinhar com os setores populares.
Em 2013, a classe trabalhadora que o PT ajudou a esmagar e dividir, com a conivência e indiferença que dele se tornaram marcas, devolveu nas ruas todo o ressentimento e frustração com o partido, o governo e a vida política brasileira. Sua revolta foi calibrada pelo avanço de uma crise econômica internacional, que sinaliza um novo período de desorganização capitalista mundial. As ruas e as greves, curiosamente, retomaram a agenda programática da luta contra a ditadura: direitos sociais, liberdades democráticas, salários e empregos.
Diante desse quadro, nada mais natural que as classes dominantes, que até aqui se serviram de um governo conveniente para seus interesses, estejam preocupadas em buscar agora um novo nome para arejar as esperanças da população, enquanto mantêm exatamente o Establishmentintocado – papel que o PT vem cumprindo desde 2002. E certamente Marina Silva vem sendo preparada para este intuito desde a eleição de 2010.
As elites nacionais já se deram conta, desde o fiasco neoliberal, que candidatos saídos diretamente de seus quadros não desfrutam de nenhuma popularidade. Por isso, notaram que os lobos em pele de cordeiro parecem funcionar perfeitamente aos seus desígnios. Marina Silva é a típica figura que funciona para o eleitorado: mulher de origem humilde, negra, envolvida em questões ambientais, uma figura “do povo”, como Lula era o metalúrgico nordestino que omarketing transformou em Lulinha Paz e Amor. Mas tal como o ex-presidente, Marina tem nos bastidores do seu staff o apoio das mais altas elites financeiras, políticas e empresariais deste país.
Na falta de fôlego do PT e sob uma perspectiva de futuro com crises econômicas e insatisfações da população, as elites brasileiras já decidiram que a hora é de mudar o testa de ferro da vez. Agora é a vez de Marina. Resta saber qual será a estratégia do PT para não perder as eleições: provar que pode ainda servir às elites, ou se virar completamente para o outro lado, resgatando a ilusão que funcionou em 2002, de que dessa vez fará jus às suas históricas bandeiras de lutas ao lado dos setores populares, como tem sido em vários governos verdadeiramente progressistas da América do Sul.