Desde 2002 é a mesma história: sempre que o Partido dos Trabalhadores vence uma eleição presidencial, uma enxurrada de críticas preconceituosas acusa o “povo” de não saber votar, que o mal do Brasil é ter eleitores que se deixam levar por “esmolas”, por políticos inescrupulosos, e etc. Neste ano, as elites e suas sempre aliadas subalternas, as classes médias do Sudeste, descontaram nos nordestinos a frustração de ver o PT vencer mais uma vez, acusando-os de ignorantes, “bovinos” e outros epítetos depreciativos. Mas será que o povo não sabe realmente votar ou são, pelo contrário, as elites, que perderam a capacidade de entender as necessidades básicas do país, por estarem tão afastadas da realidade brasileira, e que não compreendem mais as verdadeiras razões da população?
Elites impressionáveis
Em seu livro Microtendências – as pequenas forças por trás das grandes mudanças de amanhã, o especialista em pesquisas de opinião política e consultor de diversas empresas, Mark J. Penn, faz uma análise do eleitorado norte-americano no período das eleições de 2008 para traçar um perfil dos eleitores. Segundo ele, foi possível identificar dois tipos básicos: aqueles que basearam seu voto em aspectos como aparência do candidato, carisma, charme pessoal e outras coisas do gênero; e aqueles que votaram em candidatos que se concentraram em buscar soluções para resolver problemas concretos. Penn pergunta: qual dessas atitudes foi a da alta sociedade norte-americana? Ele afirma com certa surpresa: a primeira.
As elites dos Estados Unidos, e grande parte das altas classes médias, perderam a noção da realidade. Elas estão totalmente distantes das reais preocupações do país, como assistência médica, recursos para pagar a faculdade dos filhos, geração de empregos, coisas que a maioria dos cidadãos enfrenta todos os dias.
Um fato irônico relatado pelo autor no livro, e que chama a nossa atenção porque acontece exatamente no Brasil, é que se você perguntar aos membros dessas elites os motivos pelos quais votam centrados na personalidade do candidato, eles dirão que “os eleitores” – ou seja, em suas visões, cidadãos de baixa renda e menos instrução – não entendem os problemas e por isso votam baseados em características pessoais. Nada mais longe da verdade do que isso! As massas estão muito mais bem informadas dos verdadeiros problemas do país do que se pensa. E por isso Barack Obama venceu aquela eleição. E por isso a Dilma venceu a eleição aqui no Brasil.
De Collor a Aécio, os candidatos das elites
Desde 1990, as elites brasileiras tem votado pelas razões mais absurdas. Naquele ano, Lula e Brizola tinham propostas concretas para os desafios do Brasil num mundo que estava para ser reorganizado com o fim da Guerra Fria. Mas nossas elites, com o apoio da classe média, nos deram Fernando Collor de Mello, um playboy cuja imagem foi cuidadosamente moldada pelas mídias para salientar sua juventude, seu carisma e sua disposição em “caçar marajás” (quer coisa mais superficial e inócua do que um presidente que “caça marajás”, seja lá o que signifique isso?) e combater o “comunismo”. Depois votaram duas vezes no sociólogo “intelectual” Fernando Henrique Cardoso, cuja fama indevida de “pai do Plano Real” é a única coisa que lhe resta apontar na sua horrenda biografia de presidente. O desastre foi tão grande que até hoje todos os candidatos tucanos o escondem em suas campanhas presidenciais, pois cada segundo que ele aparece é mais uma fatia de votos perdidos para o candidato rival. E a gota d’água foi a mais recente adesão ao novo playboy com pinta de bom moço da praça: Aécio Neves, que nunca aprovou um projeto sequer no tempo em que está no Senado, mas que disse representar a “mudança”. Nunca foi capaz de explicar com detalhes que mudanças seriam essas, e seu eleitorado tinha como única forma de defendê-lo, apontar seu carisma e sua segurança nos debates da TV. Ou seja, as elites e as classes médias brasileiras, tal qual suas congêneres norte-americanas, votam baseadas napersonalidade do candidato, e não nas suas propostas concretas. O símbolo desse fato é um vídeo que circulou pela internet, em que uma repórter desafia a um raivoso eleitor de Aécio pra ele dizer umprograma de governo do candidato. Depois de enrolar – obviamente não conhecia nenhum – disse: “todos!”
Dilma Rousseff, por sua vez, demonstrou óbvias dificuldades com a oratória; o charme pessoal não é muito o seu forte; e até talvez tenha um raciocínio lento demais. Mas o que a fez vencer esta eleição foi a capacidade do seu marqueteiro e dos assessores da campanha em mostrar como a presidenta foi capaz de resolver concretamente muitos problemas do brasileiro. Creches, escolas, infra-estrutura, saneamento, moradia, programas afirmativos, empregos, transferência de renda… Tudo que foi feito foi mostrado, coisas reais que afetam o dia-a-dia de grande parte da população brasileira. Com base nisso, o eleitor mais pobre escolheu pela permanência da candidata, referendando seu mandato com a reeleição, justamente nas áreas em que elas foram mais importantes. As elites, distantes dessa realidade, além de votarem pelo carisma, focaram mais em medos ridículos como o velho fantasma do comunismo, o medo do Brasil “virar uma Venezuela”, e para fechar com chave de ouro tamanha ignorância, agora pedem Impeachment e Golpe Militar.
Com base nessa pequena comparação, é caso de se perguntar: quem realmente não sabe votar: o povo, ou as elites?