Quem primeiro cantou a pedra foi a professora Marilena Chauí, anos atrás, durante a euforia governista com a ascensão social de amplas camadas de miseráveis à faixa de consumo: se essa nova classe trabalhadora (que os governos petistas chamam erroneamente de nova classe-média) não fosse politizada, conscientizada do seu papel na sociedade para lutar por seus interesses, seria cooptada ideologicamente pelo pensamento mais reacionário de amplos setores das verdadeiras classes-médias brasileiras. Vendo hoje o aumento cada vez maior das hostilidades contra o governo em diversos setores da pirâmide social, tanto no topo quanto na base, mas principalmente naquela faixa mediana mais larga onde se situa a maioria da população, é difícil não pensar que Marilena Chauí acertou em cheio na sua advertência.
O portal de notícias Carta Capital trouxe essa semana uma entrevista com Lincoln Secco, professor de História da USP, autor de "A história do PT". Nela, ele dá a chave para entender como o Partido dos Trabalhadores chegou a esse momento tão negativo em sua trajetória no governo. O professor confirma a tese da cooptação dos setores mais pobres pela classe-média, mas diz que ela foi parcial:
É esperado que pessoas que emergiram das classes mais pobres para aquilo que o próprio Lula chamou de “nova classe média” acabe incorporando os valores da classe média tradicional. Isso forma uma base cada vez maior para o antipetismo. Nas últimas eleições, esse estrato social, que eu prefiro chamar de nova classe trabalhadora, se dividiu. Uma parte ficou fiel ao projeto do PT e outra parte migrou para o PSDB.
Os petistas, no governo, imaginaram poder assegurar a estabilidade fomentando umaconciliação de classes, despolitizando os movimentos sociais, os sindicatos e esse enorme contingente da população que ascendeu à faixa do consumo. Mas o conflito seria inevitável do outro lado da trincheira, ou seja, nas camadas médias urbanas que se ressentem das políticas de transferência de renda, pois percebem que estão pagando a conta, já que o PT se nega a discutir a taxação das grandes fortunas. E por ser despolitizado, esse recente contingente de pessoas que ascenderam socialmente foi atraído pela insatisfação geral que se alastra no seio da sua “nova” condição social, na falta de um discurso alternativo promovido pelo governo.
Nesse momento em que assistimos ao esgotamento do “pacto de classes”, ou seja, da ideia de que se governa para todos, há um racha político no Brasil. De um lado os setores reacionários, que nutrem um ódio a tudo o que o PT representou (no tempo verbal passado mesmo) e do outro os movimentos sociais e aqueles setores da classe trabalhadora que se sentiram traídos pelo estelionato eleitoral de Dilma e que começam a se mobilizar, saindo da letargia. E no meio de tudo isso, um partido que, por um enorme erro de estratégia, apostou na conciliação, achando que ela iria durar indefinidamente. Agora ele se encontra sem representatividade, uma engrenagem solta que não se encaixa em nenhum dos lados.
Nenhum pacto resiste a uma grande crise econômica. Disseram que ela não viria, mas ela está aí, batendo à porta. E os conflitos sociais se exacerbam nesse momento. O PT apostou na paz, e não está preparado para a guerra. Ao abandonar suas antigas bandeiras, se entrincheirou nas hostes inimigas, sendo agora repelido de lá como um cão sarnento. Talvez agora seja tarde demais para voltar atrás.
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