O produto não era bem aquele que a propaganda prometia e ja é a enésima ligação para o atendimento ao consumidor. Mas segure o dedo e, antes de clicar no “publicar”, pense uma segunda vez. O que o consumidor divulga contra a empresa, seja para seu grupo de amigos, seja para qualquer um com acesso à internet, pode gerar mais dor de cabeça do que um 0800 eternamente ocupado. Pode dar um processo.
Nos últimos dias, o iG levantou dois casos na Justiça paulista em que clientes foram acionados judicialmente pelas críticas que fizeram a empresas. Em um, de 2007, um morador de Franca, no interior paulista, foi condenado a indenizar em R$ 4.000 a B2W, dona da Americanas.com, e uma funcionária, por ter insultado a ambas num site que ficou no ar 25 minutos. Em outro, julgado em segunda instância em fevereiro, a R. Vieira Engenharia e Ar Condicionado, de São José dos Campos (SP), acionou um cliente que reclamou, pelo Facebook, da qualidade do atendimento. O consumidor venceu.
A B2W e a advogada que defendeu a R. Vieira no caso foram procuradas, mas não quiseram se manifestar. A R. Vieira também não respondeu ao e-mail enviado na quinta-feira (14), e a reportagem não conseguiu contato pelo telefone informado no site.
“Meros aborrecimentos não podem ser tratados como dano. Mas se a pessoa foi além do direito de reclamar, além do razoável, é evidente que existe um dano”, diz Victor Haikal, advogado especialista em direito digital do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados. “A partir do momento em que ele quer prejudicar a empresa e não ter seu direito atendido, há chance de ele sair prejudicado.”
O tamanho do risco – e de uma possível indenização – também varia em relação à intenção do cliente, e não só ao tipo de recurso que ele usa, avalia Haikal. Se um mero post é considerado um ataque gratuito, por exemplo, será pior quanto mais ele for partilhado. “(Mas) se o consumidor está brigando por um direito dele, mesmo que faça um filminho, é legítimo.”
Especialista da área cível do Peixoto e Cury Advogados, Fernanda Rodrigues argumenta que, mesmo quando o consumidor tem razão, a empresa pode buscar a reparação de um dano.
“O que a lei determina é que a empresa resolva o problema, que a troca (do produto) seja feita. A partir do momento em que essa empresa cumpre [a lei], tem o direito de pedir essa restituição”, diz a advogada. “Mesmo que o produto tivesse defeito, ela teria essa prerrogativa.”
Presidente do Procon-SP, Paulo Góes também defende moderação. As redes sociais virtuais, segundo ele, têm ajudado no trabalho de fiscalização do órgão, como na Black Friday – dia de descontos ocorrido em 23 de novembro do ano passado, em que a autarquia pediu aos consumidores para postarem fotos de maquiagem de preços pelas empresas. Mas é preciso evitar exageros.
“É legítimo, é uma tendência, mas é óbvio que, como tudo, deve ser feito de maneira responsável. Não (deve ser usado para) um simples denuncismo ou aquela coisa de ultrapassar os limites do que é razoável, mas sim na busca de um interesse legítimo colocado ali de forma absolutamente razoável.”
Convencimento
Uma súmula de 1999 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garante o direito ao dano moral às empresas e, segundo Haikal, nos últimos dois anos ao menos 20 companhias já consultaram o escritório em busca de orientação sobre o que fazer com as postagens dos consumidores na internet.
“Os casos mais frequentes não são de empresas grandes, mas de startups.” diz o advogado.
Ainda assim, procurar de fato a Justiça contra um consumidor é exceção. A avaliação é que, mesmo que o consumidor tenha prejudicado indevidamente a imagem companhia de maneira, a chance de uma vitória é apertada.
“Nós não aconselhamos. Porque é muito temerário entrar com uma ação contra o consumidor com base no Código de Defesa do Consumidor”, diz Fernanda. “Eu vou mover uma ação contra você com base num código que lhe defende. Isso é mal visto pelo Judiciário de uma maneira geral.”
Além disso, há o risco de piorar o estrago, alerta Haikal. Por isso, diz, é um recurso usado só em casos extremos.
“É uma situação bastante delicada. Ainda que a empresa tenha direito e seja justa uma penalização por abuso, pode soar exagerado para o público consumidor em geral”, afirma o advogado. “Eu exerço um direito, mas vou ser penalizado. A orientação é que seja resolvido sempre da forma mais amigável possível.”
E, como as empresas não podem exigir, sem decisão judicial, que um cliente ou site retire um conteúdo do ar, a estratégia é convencê-los. Em alguns casos, diz Fernanda, as empresas solicitam, ao resolver o problema apresentado pelo consumidor, que ele apague sua reclamação. Na maioria das vezes, afirma ela, a negociação dá certo.
“No caso do Procon a gente leva (a declaração de que o problema está resolvido) e é dado baixa (na reclamação). No caso do site Reclame Aqui, não há essa via direta. Há sempre o elo com o consumidor” diz.
Mauricio Vargas, fundador do Reclame Aqui, confirma que as retiradas de reclamações existem, mas são mínimas. E diz que a orientação é para que o consumidor mantenha sua postagem.