Educação contextualizada
Gleiceani Nogueira – ASACom
De acordo com o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Semiárido é a região com maior dificuldade na formação educacional de crianças e jovens. Segundo o estudo, essa região concentra metade da população de analfabetos acima de 15 anos e apresenta altos percentuais de evasão escolar.
Um dos fatores que leva os alunos residentes da zona rural a abandonarem os estudos é a falta de interesse na escola, cujo currículo não leva em consideração a realidade dos educandos. Ao contrário, muitas unidades de ensino contribuem para a construção da imagem do Semiárido como um lugar de atraso e de falta de oportunidades.
“O que educação formal faz hoje na sua grande maioria? Diz para as crianças que se elas querem ter sucesso, devem sair do Semiárido. Que se elas querem ser felizes, não devem ser como os seus pais, que permaneceram no Semiárido e hoje não são nada. Ou seja, a educação nas escolas é um instrumento de destruir a autoestima das crianças e de certo modo forçar um processo de migração. Sair do Semiárido seria a solução ideal”, contextualiza o coordenador da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), Naidison Baptista.
Para mudar esse quadro, Baptista acredita que a solução está na educação contextualizada para convivência com o Semiárido. Foi o que aconteceu no município Riachão do Jacuípe, na Bahia. A evasão escolar e o êxodo rural eram os principais problemas registrados pelas escolas da região. Com a chegada do projeto CAT (Conhecer, Analisar e Transformar), que trabalha com uma proposta de educação que valoriza a realidade da comunidade, os alunos voltaram a frequentar a escola.
“A escola não era tão atrativa para a criança do campo. Com a chegada do[projeto] CAT, a primeira melhoria foi a questão [da diminuição] do êxodo rural e do abandono da escola. A [melhoria da] autoestima do aluno, a forma dele se apresentar em público, é outro avanço. O aluno que vem do CAT tem mais facilidade de falar, de interpretar os problemas, tem mais facilidade do que o outro que veio da educação tradicional”, afirma a coordenadora do projeto, Conceição Simões.
Segundo a secretária executiva da Rede de Educadores do Semi-Árido Brasileiro (RESAB), Vera Carneiro, atualmente, 1.560 escolas do Semiárido trabalham com a proposta de educação contextualizada, beneficiando 28 mil crianças e adolescentes.
“A educação contextualizada voltada para as escolas do Semiárido brasileiro é aquela que tem um currículo que trabalha elementos do contexto em que as crianças e suas famílias vivem. Por exemplo, se numa comunidade as famílias não têm acesso à água, ou tem acesso a uma água contaminada, os professores vão buscar discutir em algumas disciplinas, esse contexto. Então a escola, ao invés de trabalhar os conteúdos de forma distante da realidade dos alunos, traz a realidade para dentro da sala de aula”, explica Vera Carneiro.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê que as instituições de ensino adaptem conteúdos curriculares e metodologias aplicadas às reais necessidades e interesses dos estudantes e às peculiaridades da região. Ou seja, estudar conteúdos relacionados ao Semiárido é um direito dos alunos que vivem nessa região. Essa Lei existe há mais de 12 anos, no entanto, poucas escolas trabalham dessa forma.
Para Vera Carneiro, falta vontade política e investimentos para ampliar esse trabalho nos municípios do Semiárido. Além disso, ela destaca a importância da formação dos professores. “Precisa de uma formação específica, pois, muitas vezes, as universidades não preparam [os professores] para isso. Precisa ter uma formação continuada dos professores e precisa ter investimento de recursos públicos”, aponta a representante da RESAB.
A educação contextualizada é um dos sete temas das oficinas que serão realizadas no VII Encontro Nacional da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (EnconASA), previsto para acontecer entre os dias 22 e 26 de março, em Juazeiro, na Bahia. Além da oficina, os participantes vão visitar duas experiências sobre o tema desenvolvidas nos municípios de Curaça e Juazeiro.
Para o coordenador da ASA, debater o tema da educação contextualizada no EnconASA será importante para que as organizações que não trabalham com essa temática conheçam experiências exitosas e passem a incorporar o assunto nas suas dinâmicas e as que já desenvolvem esse trabalho, possam ampliá-lo e discuti-lo junto ao poder público.
“Nós avaliamos que isso é uma complementação muito importante ao trabalho que se faz nas comunidades. Lá, debatemos a educação contextualizada, o respeito à cultura, a agroecologia, etc. Por outro lado, a escola, muitas vezes, debate tudo ao contrário. Então a criança chega na escola e encontra um ambiente, chega em casa, e é outra coisa totalmente diferente. A criança não cresce num processo de tranquilidade. Nós precisamos fazer da escola uma aliada ao processo de desenvolvimento do Semiárido. Essa é a razão pela qual, com muito acerto e com muita vontade, queremos colocar a educação contextualizada no debate do EnconASA para projetar politicamente as nossas experiências nessa área”, destaca Naidison.
Confira abaixo as duas experiências de educação contextualizada que serão visitadas no EnconASA:
Projetos Educação com Pé no Sertão e Horta Pedagógica valorizam a convivência com o Semiárido – Curaçá – Bahia
Escola Rural de Massaroca: uma prática educativa contextualizada no sertão baiano -– Juazeiro – Bahia