Rio - Por trás da toga, o juiz federal Flávio Roberto Souza trilhou o caminho fora da lei. O afastamento do magistrado do cargo por ter surrupiado mais de R$ 600 mil — valor ajuizado em processo de tráfico de drogas e ter até levado o piano do empresário Eike Batista para casa — os dois processos tramitavam na 3ª Vara Federal Criminal, colocou a Justiça Federal em xeque. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) informou que, de 2010 até março de 2015, foram abertos na Corregedoria Regional 37 processos administrativos disciplinares e seis sindicâncias contra juízes de primeiro grau. As penas foram de duas disponibilidades (perda da função, mantendo a remuneração), uma advertência por escrito e uma aposentadoria compulsória.
Na Justiça Federal, a Corregedoria-Regional do TRF-2 é responsável por investigar os 276 juízes do Rio e do Espírito Santo. Os 27 desembargadores ficam a cargo da Corregedoria Nacional, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Lei Orgânica da Magistratura prevê seis tipos de punições disciplinares: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória também com vencimentos proporcionais e a demissão.
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“Não são tão poucas punições, considerando o número de magistrados. Há pelo menos uma por ano”, sustenta o corregedor do TRF-2, Guilherme Couto de Castro.
O caso do juiz Flávio voltou a colocar a Justiça Federal no centro de um escândalo, o que não acontecia desde 2007. Naquele ano, a Operação Furacão da Polícia Federal apontou megaesquema de corrupção com o jogo do bicho que envolvia dois desembargadores do TRF-2. Um deles foi aposentado compulsoriamente, e o outro morreu. O advogado Renato Tonini, que defende o juiz Flávio, informou que seu cliente não está em condições psicológicas para falar sobre o caso.
“Algumas vezes, o problema diz respeito à demora na punição. Mas, no caso dos magistrados, o procedimento exige a observância de todas as etapas de defesa, e a justificativa técnica é evitar que algum juiz possa ser punido por julgar com independência”, justifica. Para o jurista Luiz Flávio Gomes, os dados apresentados pela corte demonstram como a Justiça está longe de cortar na própria carne. “Há muito corporativismo, quando deveria existir consciência da importância da punição. O CNJ ainda é a salvação”, analisa.
O mecanismo de prevenção aos excessos conta com inspeções e correições nas varas. “Por limitações materiais e de custo, isso se dá com certo intervalo, de modo que não é suficiente, nem em tese, para combater os desvios”, explica o corregedor.
Para Luiz Flávio, há falta de consciência institucional no combate às irregularidades: “Os juízes deveriam ser mais cumpridores de deveres.” Desde ontem O DIA publica série de reportagem sobre a falta de punições.
5 MINUTOS COM: Flávio Paixão, procurador regional da República
Resposta rápida a abusos. É a bandeira do procurador regional Flávio Paixão, um dos responsáveis, por denunciar ao TRF-2 o juiz Flávio Roberto de Souza, flagrado dirigindo o Porsche de Eike Batista. O magistrado é acusado de peculato (desvio de bens públicos por servidor), falsidade ideológica e de extraviar documentos em atos processuais vinculados à operação Monte Perdido, da PF em 2013.
1. Essa conduta leva a crer que não há punição?
— O contrário. Houve resposta rápida do Conselho Nacional de Justiça, quando afastou do cargo; do TRF-2 que determinou a correição extraordinária e instaurou cinco procedimentos disciplinares; a polícia investigou e o Ministério Público Federal denunciou criminalmente.
2.O caso do juiz Flávio, apesar dos vários desmandos, ganhou o rumo da corregedoria depois do caso Eike. O senhor acha que demorou muito?
— É natural ter pela defesa, nos processos que envolvem medidas cautelares, como busca e apreensão, alegação de abuso de poder e parcialidade dos juízes e procuradores. O que acaba banalizando e neste caso houve dúvida inicial. Quando houve a conduta inusitada de dirigir o veículo do acusado, foi instaurada a correição extraordinária.
3. O corporativismo atrapalha ?
— Ninguém nega que existe maior ou menor extensão do corporativismo em órgãos de controle interno dos tribunais, ministérios públicos e polícias. Há o sentimento de autoproteção institucional, receio de que responsabilizar juízes, procuradores e policiais pode significar enfraquecimento da independência dos órgãos, que não raro têm que lidar com poderosos. Mas tem sido superada a visão conservadora tradicional de se apurar a conduta de magistrado em processo de apuração sob sigilo. A criação do CNJ, que revisa julgamentos, dá frutos e as corregedorias são obrigadas a refazer o processo disciplinar.
4. Como se combate excessos?
— O inusitado não pode levar a crer que há perseguição sistemática de poderosos ou abuso de apreensões. Em geral, excessos são combatidos com recursos a tribunais.
5. O que falta para cortar na carne?
— Qualquer órgão de controle caminha sobre o fio da navalha entre posição condescendente ou anticorporativa. Mas punir servidor só para dar exemplo é tão grave quanto absolve-lo.
— Qualquer órgão de controle caminha sobre o fio da navalha entre posição condescendente ou anticorporativa. Mas punir servidor só para dar exemplo é tão grave quanto absolve-lo.