Aprendizado
TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR
TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR
José Carlos Libâneo
A prática escolar consiste na concretização das condições que asseguram a realização do trabalho docente. Tais condições não se reduzem ao estritamente "pedagógico", já que a escola cumpre funções que lhe são dadas pela sociedade concreta que, por sua vez, apresenta-se como constituída por classes sociais com interesses antagônicos. A prática escolar assim, tem atrás de si condicionantes sociopolíticos que configuram diferentes concepções de homem e de sociedade e, consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da escola, aprendizagem, relações professor-aluno, técnicas pedagógicas etc. Fica claro que o modo como os professores realizam sou trabalho, selecionam e organizam o conteúdo das matérias, ou escolhem técnicas de ensino e avaliação tem a ver com pressupostos teórico-metodológicos, explícita ou implicitamente.
Uma boa parte dos professores, provavelmente a maioria, baseia sua prática em prescrições pedagógicas que viraram senso comum, incorporadas quando de sua passagem pela escola ou transmitidas pelos colegas mais velhos; entretanto, essa prática contém pressupostos teóricos implícitos. Por outro lado, há professores interessados num trabalho docente mais consequente, professores capazes de perceber o sentido mais amplo de sua prática e de explicitar suas convicções. Inclusive há aqueles que se apegam à última tendência da moda, sem maiores cuidados em refletir se essa escolha trará, de fato, as respostas que procuram. Deve-se salientar, ainda, que os conteúdos dos cursos de licenciatura, ou não incluem o estudo das correntes pedagógicas, ou giram em torno de teorias de aprendizagem e ensino que quase nunca têm correspondência com as situações concretas de sala de aula, não ajudando os professores a formar um quadro de referência para orientar sua prática.
Em artigo publicado em 1981, SAVIANI descreveu com muita propriedade certas confusões que se emaranham na cabeça de professores. Após caracterizar a pedagogia tradicional e a pedagogia nova, indica o aparecimento, mais recente, da tendência tecnicista e das teorias critico-reprodutivistas, todas incidindo sobre o professor. Ele escreve: "Os professores têm na cabeça o movimento e os princípios da escola nova. A realidade, porém, não oferece aos professores condições para instaurar a escola nova, porque a realidade em que atuam é tradicional. (...) Mas o drama do professor não termina, aí. A essa contradição se acrescenta uma outra: além de constatar que as condições concretas não correspondem à sua crença, o professor se vê pressionado pela pedagogia oficial que prega a racionalidade e produtividade do sistema e do seu trabalho, isto é, ênfase, nos meios (tecnicismo).(...) Ai o quadro contraditório em que se encontra o professor: sua cabeça é escolanovista a realidade é tradicional;"(...) rejeita o tecnicismo porque sente-se violentado pela ideologia oficial; não aceita a linha crítica porque não quer receber a denominação de agente repressor”.
Face a essas constatações, pretende-se, neste texto, fazer um levantamento, ainda que precário, das tendências pedagógicas que têm-se firmado nas escolar pela prática dos professores, fornecendo uma breve explanação dos pressupostos teóricos e metodológicos de cada uma.
É necessário esclarecer que as tendências não aparecem em sua forma pura, nem sempre, são mutuamente exclusivas, nem conseguem captar toda a riqueza da prática escolar. São, aliás, as limitações de qualquer tentativa de classificação. De qualquer modo, a classificação e descrição das tendências poderão funcionar como instrumento de analise para o professor avaliar sua prática de sala de aula.
Utilizando como critério a posição que adotam em relação aos condicionantes sociopolíticos da escola, as tendências pedagógicas foram classificadas em liberais e progressistas, a saber:
A - Pedagogia liberal
1- Tradicional
2- Renovada progressivista
3- Renovada não-diretiva
4- Tecnicista
B - Pedagogia progressista
1- Libertadora
2- Libertária
3- Crítico-social dos conteúdos
A. PEDAGOGIA LIBERAL
O termo liberal não tem o sentido de "avançado", ''democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificativa do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada saciedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.
A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinquenta anos, tem sido - marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem conta dessa influência.
A pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Para isso, os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também denominada escola nova ou ativa), o que não significou a substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática escolar.
Na tendência tradicional, a pedagogia se caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual.
A tendência liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação é um processo interno, não externo; ela parte das necessidades e interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. A educação é a vida presente é parte da própria experiência humana. A escola renovada propõe um ensino que valoriza a auto-educação (o aluno como sujeito do conhecimento), a experiência direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. A tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões distintas: a renovada progressivista, ou, pragmatista, principalmente na forma difundida pelos pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca Anísio Teixeira (deve-se destacar, também, a influência de Montessori, Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada não-diretiva, orientada para os objetivos de auto-realização (desenvolvimento pessoal) e para as relações inter-pessoais, na formulação do psicólogo norte-americano Carl Rogers.
A tendência liberal tecnicistasubordina a educação à sociedade, tendo como função a preparação de "recursos humanos" (mão-de-obra para indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento científico) é o meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir um ótimo funcionamento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico por excelência. Ela "é encarada como um instrumento capaz de promover, sem contradição, o desenvolvimento econômico pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição da renda, pelo maximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da 'consciência política' indispensável à manutenção do Estado autoritário" . Utiliza-se basicamente do enfoque sistêmico, da tecnologia educacional e da análise experimental do comportamento.
1. Tendência liberal tradicional
Papel da escola - A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade. O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim, os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Caso não consigam, devem procurar o ensino mais profissionalizante.
Conteúdos de ensino - São os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais, valendo pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e, às vezes, como enciclopédica.
Métodos - Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração. Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo professor, observados os seguintes passos: a) preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da matéria anterior, despertar interesse); b) apresentação (realce de pontos-chave, demonstração); c) associação (combinação do conhecimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); d) generalização (dos aspectos particulares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada); e) aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resoluções de exercícios). A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a mente e formar hábitos.
Relacionamento professor-aluno - Predomina a autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e "impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em consequência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio.
Pressupostos de aprendizagem - A ideia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de uma outra: a de que a capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas, então, devem ser dados numa progressão lógica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade. A aprendizagem, assim é receptiva e mecânica, para que se recorre frequentemente à coação. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria. À transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às respostas dadas em situações anteriores. A avaliação se dá por verificações de curto prazo (interrogatórios, orais, exercícios de casa) e de prazo mais longo (provas escritas, trabalhos de casa). O reforço é, em geral, negativo (punição, notas baixas, apelos aos pais); às vezes, é positivo (emulação, classificações).
Manifestações na prática escolar - A pedagogia liberal tradicional é viva e atuante em nossas escolas. Na descrição apresentada aqui incluem-se as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação clássico-humanista ou uma orientação humano-científica, sendo que esta se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa história educacional.
2. Tendência liberal renovada progressivista
Papel da escola - A finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida. Todo ser dispõe dentro de si mesmo de mecanismos de adaptação progressiva ao meio e de uma consequente integração dessas formas de adaptação no comportamento. Tal integração se dá por meio de experiências que devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do aluno e as exigências sociais. À escola cabe suprir as experiências que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente.
Conteúdos de ensino - Como o conhecimento resulta da ação a partir dos interesses e necessidades, os conteúdos de ensino são estabelecidos em função de experiências que o sujeito vivência frente a desafios cognitivos e situações problemáticas. Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. Trata-se de "aprender a aprender", ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito.
Método de ensino - A ideia de "aprender fazendo" está sempre presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas. Embora os métodos variem, as escolas ativas ou novas (Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) partem sempre de atividades adequadas à natureza do aluno e às etapas do seu desenvolvimento. Na maioria delas, acentua-se a importância do trabalho em grupo não apenas como técnica, mas como condição básica do desenvolvimento mental. Os passos básicos do método ativo são: a) colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma; b) o problema deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; c) o aluno deve dispor de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de soluções; d) soluções provisórias devem ser incentivada e ordenadas, com a ajuda discreta do professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida.
Relacionamento professor-aluno - Não há lugar privilegiado para o professor; antes, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo da criança; se intervém, é para dar forma ao raciocínio dela. A disciplina surge de uma tomada de consciência dos limites da vida grupal; assim, aluno disciplinado é aquele que é solidário, participante, respeitador das regras do grupo. Para se garantir um clima harmonioso dentro da sala de aula é indispensável um relacionamento positivo entre professores e alunos, uma forma de instaurar a "vivência democrática" tal qual deve ser a vida em sociedade.
Pressupostos de aprendizagem - A motivação depende da força de estimulação do problema e das disposições internas e interesses do aluno. Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, é uma auto-aprendizagem, sendo o ambiente apenas o meio estimulador. É retido o que se incorpora à atividade do aluno pela descoberta pessoal; o que é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado em novas situações. A avaliação é fluida e tenta ser eficaz à medida que os esforços e os êxitos são pronta e explicitamente reconhecidos pelo professor.
Manifestações na prática escolar - Os princípios da pedagogia progressivista vêm sendo difundidos, em larga escala, nos cursos de licenciatura, e muitos professores sofrem sua influência. Entretanto, sua aplicação é reduzidíssima, não somente por faltar de condições objetivas como também porque se choca com uma prática pedagógica basicamente tradicional. Alguns métodos são adotados em escolas particulares, como o método Montessori, o método dos centros de interesse de Decroly, o método de projetos de Dewey. O ensino baseado na psicologia genética de Piaget tem larga aceitação na educação pré-escolar. Pertencem, também, à tendência progressivista muitas das escolas denominadas "experimentais", as "escolas comunitárias” e mais remotamente (década de 60) a "escola secundária moderna", na versão difundida por Lauro de Oliveira Lima.
3. Tendência liberal renovada não-diretiva
Papel da escola - Acentua-se nesta tendência o papel da escola na formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo esforço está em estabelecer um clima favorável a uma mudança dentro do indivíduo, isto é, a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente. Rogers considera que o ensino é uma atividade excessivamente valorizada; para ele os procedimentos didáticos, a competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância, face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de auto-desenvolvimento e realização pessoal, o que implica estar bem consigo próprio e com seus semelhantes. O resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia.
Conteúdos de ensino - A ênfase que esta tendência põe nos processos de desenvolvimento das relações e da comunicação torna secundária a transmissão de conteúdos. Os processos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos que, no entanto, são dispensáveis.
Métodos de ensino - Os métodos usuais são dispensados, prevalecendo quase que exclusivamente o esforço do professor em desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos alunos Rogers explicita algumas das características do professor “facilitador": aceitação da pessoa do aluno, capacidade de ser confiável, receptivo e ter plena convicção na capacidade de autodesenvolvimento do estudante. Sua função restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, utilizando técnicas de sensibilização onde os sentimentos de cada um possam ser expostos, sem ameaças. Assim, o objetivo do trabalho escolar se esgota nos processos de melhor relacionamento interpessoal, como condição para o crescimento pessoal.
Relacionamento professor-aluno - A pedagogia não-diretiva propõe uma educação centrada no aluno, visando formar sua personalidade através da vivência de experiências significativas que lhe permitam desenvolver características inerentes a sua natureza. O professor é um especialista em relações humanas, ao garantir o clima de relacionamento pessoal autêntico. “Ausentar-se” é a melhor forma de respeito e aceitação plena do aluno. Toda intervenção é ameaçadora e inibidora da aprendizagem.
Pressupostos de aprendizagem - A motivação resulta do desejo de adequação pessoal na busca da auto-realização; é portanto um ato interno. A motivação aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a valorização do "eu". Aprender, portanto, é modificar suas próprias percepções; daí que apenas se aprende o que estiver significativamente relacionado com essas percepções. Resulta que a retenção se dá pela relevância do aprendido em relação ao "eu", ou seja, o que não está envolvido com o "eu" não é retido e nem transferido. Portanto, a avaliação escolar perde inteiramente o sentido, privilegiando-se a auto-avaliação.
Manifestações na prática escolar - Entre nós, o inspirador da pedagogia não-diretiva é C. Rogers, na verdade mais um psicólogo clínico que um educador. Suas ideias influenciam um número expressivo de educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam ao aconselhamento. Menos recentemente, podem-se citar também tendências inspiradas na escola de Summerhill do educador inglês A. Neill.
4. Tendência liberal tecnicista
Papel da escola - Num sistema social harmônico, orgânico e funcional, a escola funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas específicas. À educação escolar compete organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na maquina do sistema social global. Tal sistema social é regido por leis naturais (há na sociedade a mesma regularidade e as mesmas relações funcionais observáreis entre os fenômenos da natureza), cientificamente descobertas. Basta aplicá-las. A atividade da "descoberta" é função da educação, mas deve ser restrita aos especialistas; a “aplicação" é competência do processo educacional comum. A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos "competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, á tecnologia educacional, a análise experimental do comportamento garantem a objetividade da prática escolar, uma vez que os objetivos instrucionais (conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais que independem dos que a conhecem ou executam.
Conteúdos de ensino - São as informações, princípios científicos, leis etc., estabelecidos e ordenados numa sequencia lógica e psicológica por especialistas. É matéria de ensino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável; os conteúdos decorrem, assim, da ciência objetiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. O material instrucional encontra-se sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, nos módulos de ensino, nos dispositivos audiovisuais etc.
Métodos de ensino - Consistem nos procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle das condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informações. Se a primeira tarefa do professor é modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais, a principal é conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino; daí a importância da tecnologia educacional. A tecnologia educacional é a "aplicação sistemática de princípios científicos comportamentais e tecnológicos, a problemas educacionais, em função de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e abordagem sistêmica abrangente”. Qualquer sistema instrucional (há uma grande variedade deles) possui três componentes básicos: objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos observáveis e mensuráveis, procedimentos instrucionais e avaliação. As etapas, básica de processo ensino aprendizagem são: a) estabelecimento de comportamentos terminais, através de objetivos instrucionais; b) análise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar sequencialmente os passos da instrução; c) executar o programa, reforçando gradualmente as respostas corretas correspondentes aos objetivos. O essencial da tecnologia educacional é a programação por passos sequenciais empregada na instrução programada, nas técnicas de microensino, multimeios, módulos etc. O emprego da tecnologia instrucional na escola pública aparece nas formas de: planejamento em moldes sistêmicos, concepção de aprendizagem como mudança de comportamento, operacionalização de objetivos, uso procedimentos científicos (instrução programada, audiovisuais avaliação etc. inclusive a programação de livros didático).
Relacionamento professor-aluno - São relações estruturadas e objetivas, com papeis tem definidos: o professor administra as condições de transmissão da matéria, conforme um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem; o aluno recebe, aprende e fixa as informações. O professor é apenas um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrucional previsto. O aluno é um indivíduo responsivo, não participa da elaboração do programa educacional. Ambos são espectadores frente à verdade objetiva. A comunicação professor-aluno tem um sentido exclusivamente técnico, que garantir a eficácia da transmissão do conhecimento. Debates, discussões, questionamentos são desnecessários, assim como pouco importam as relações afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino aprendizagem.
Pressupostos de aprendizagem – as teorias de aprendizagem que fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender é uma questão de modificação do desempenho: o bom ensino depende de organizar eficientemente as condições estimuladoras, de modo a que o aluno saia da situação de aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, o ensino é um processo de condicionamento através do uso de reforçamento das respostas que se quer obter. Assim, os sistemas instrucionais visam o controle do comportamento individual face a objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino, centrado no controle das condições que cercam o organismo que se comporta. O objetivo da ciência pedagógica, a partir da psicologia, é o estudo científico do comportamento: descobrir as leis presidem as reações físicas do organismo que aprende, a fim de aumentar o controle das variáveis que o afetam. Os componentes da aprendizagem – motivação, retenção, transferência - decorrem da aplicação do comportamento operante. Segundo Skinner, o comportamento aprendido é uma resposta a estímulos externos, controlados por meio de reforços que ocorrem, cem a resposta ou após a mesma: “Se a ocorrência de um (comportamento) operante é seguida pela apresentação de um estímulo (reforçador), a probabilidade de reforçamento é aumentada". Entre os autores que contribuem para os estudos de aprendizagem destacam-se: Skinner, Gagné, Bloom e Mager.
Manifestações na prática escolar - A influência da pedagogia tecnicista remonta à 2ª metade dos anos 50 (PABAEE - Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar). Entretanto foi introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adequar o tema educacional à orientação político econômica do regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista. É quando a orientação escolanovista cede lugar à tendência tecnicista, pelo menos no nível de política oficial; os marcos de implantação do modelo tecnicista são as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorganizam o ensino superior e ensino de 1° e 2° graus. A despeito da maquina oficial, entretanto, não há indícios seguros de que o professor da escola pública tenham assimilado a pedagogia tecnicista (planejamento, livros didáticos programados, procedimentos de avaliação e etc) não configura uma postura tecnicista do professor; antes, o exercício profissional continua mais para uma postura eclética em torno de princípios pedagógicos assentados nas pedagogias tradicional e renovada.
B. PEDAGOGIA PROGRESSISTA
O termo "progressista", emprestado de Snyders, é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação. Evidentemente a pedagogia progressista, não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais.
A pedagogia progressista tem-se manifestado em três tendências: a libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire, a libertária, que reúne os defensores da autogestão pedagógica; a crítico-social dos conteúdos que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto cor as realidades sociais.
As versões libertadora e libertária têm em comum o anti-autoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica. Em função disso, dão mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participação em discussões, assembleias, votações) do que aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prática educativa somente faz sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades de educação popular “não-formal”.
A tendência da pedagogia critico-social de conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado.
1. Tendência progressista libertadora
Papel da escola - Não é próprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar, já que sua marca é a atuação "não-formal". Entretanto, professores e educadores engajados no ensino escolar vêm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, quando se fala na educação em geral, diz-se que ela é uma atividade onde professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação social. Tanto a educação tradicional, denominada "bancária" - que visa apenas depositar informações sobre o aluno -, quanto a educação renovada - que pretenderia uma libertação psicológica individual - são domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade social de opressão. A educação libertadora, ao contrário, questiona concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens, visando a uma transformação - daí ser uma educação crítica.
Conteúdos de ensino - Denominados "temas geradores", são extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Os conteúdos tradicionais são recusados porque cada pessoa, cada grupo envolvidos na ação pedagógica dispõem em si próprios, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma da relação com a experiência vivida. A transmissão de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada como "invasão cultural" ou "depósito de informação", porque não emerge do saber popular. Se forem necessários textos de leitura; estes deverão ser redigidos pelos próprios educandos com a orientação do educador.
Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertadora, Paulo Freire, deixa de mencionar o caráter essencialmente político de sua pedagogia, o que, segundo suas próprias palavras, impede que ela seja posta em prática, em termos sistemáticos, nas instituições oficiais, antes da transformação da sociedade. Daí porque sua atuação se dê mais a nível da educação extra-escolar. O que não tem impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por numerosos professores.
Métodos de ensino - "Para ser um ato de conhecimento o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de autêntico diálogo; aquela em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido” (...). “O dialogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer: educador-educando e educando-educador."
Assim sendo, a forma de trabalho educativo é o "grupo de discussão”, a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o conteúdo e a dinâmica das atividades. O professor é um animador que, por princípio, deve "descer" ao nível dos alunos, adaptando-se às suas características e ao desenvolvimento próprio de cada grupo. Deve caminhar "junto", intervir o mínimo indispensável, embora não se furte, quando necessário, a fornecer uma informação mais sistematizada.
Os passos da aprendizagem - codificação-decodificação, e problematização da situação - permitirão aos educandos um esforço de compreensão do "vivido", até chegar a um nível mais crítico de conhecimento da sua realidade, sempre através da troca de experiência em torno da prática social. Se nisso consiste o conteúdo do trabalho educativo, dispensam-se um programa previamente estruturado, trabalhos escritos, aulas expositivas, assim como qualquer tipo de verificação direta da aprendizagem, formas essas próprias da “educação bancária", portanto, domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliação da prática vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo e, às vezes, a autoavaliação feita em termos dos compromissos assumidos com a prática social.
Relacionamento professor-aluno - No diálogo, como método básico, a relação é horizontal; onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. O critério de bom relacionamento é a total identificação com o povo, sem o que a relação pedagógica perde consistência. Elimina-se, por pressuposto, toda relação de autoridade, sob pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientização, de "aproximação de consciências". Trata-se de uma "não-diretividade", mas não no sentido do professor que se ausenta (como em Rogers), mas que permanece vigilante para assegurar ao grupo um espaço humano para "dizer sua palavra", para se exprimir sem se neutralizar.
Pressupostos de aprendizagem - A própria designação de "educação problematizadora" como correlata de educação libertadora revela a força motivadora da aprendizagem. A motivação se dá a partir da codificação de uma situação-problema, da qual se torna distância para analisá-la criticamente. "Esta análise envolve o exercício da abstração, através da qual procuramos alcançar, por meio de representações da realidade concreta, a razão de ser dos fatos."
Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa realidade. O que é aprendido não decorre de uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. O que o educando transfere, em termos de conhecimento, é o que foi incorporado como resposta às situações de opressão - ou seja, seu engajamento na militância política.
Manifestações na prática escolar - A pedagogia libertadora tem como inspirador e divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas ideias pessoalmente em diversos países, primeiro no Chile, depois na África. Entre nós, tem exercido uma influência expressiva nos movimentos populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com a maior parte das experiências do que se denomina "educação popular". Há diversos grupos desta natureza que vêm atuando não somente no nível da prática popular, mas também por meio de publicações, com relativa independência em relação às ideias originais da pedagogia libertadora. Embora as formulações teóricas de Paulo Freire se restrinjam à educação de adultos ou à educação popular, em geral, muitos professores vêm tentando colocá-las em prática em todos os graus de ensino formal.
2. Tendência progressista libertária
Papel da escola - A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A ideia básica é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão "contaminando" todo o sistema. A escola instituirá, com base na participação grupal, mecanismos institucionais de mudança (assembléias, conselhos, eleições, reuniões, associações etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas instituições "externas", leve para lá tudo o que aprendeu. Outra forma de atuação da pedagogia libertária, correlata à primeira, é – aproveitando a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com princípios educativos autogestionários (associações, grupos informais, escolas autogestionárias). Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político. A pedagogia libertária, na sua modalidade mais conhecida entrenós, a "pedagogia institucional", pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como instrumento da ação; dominadora do Estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia.
Conteúdos de ensino - As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação crítica. "Conhecimento" aqui não é a investigação cognitiva do real, para extrair dele um sistema de representações mentais, mas a descoberta de respostas às necessidades e às exigências da vida social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem indispensavelmente, as matérias de estudo.
Método de ensino - É na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de "colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização, do trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas e a decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos alunos)". Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo.
O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, se dá num "crescendo": primeiramente a oportunidade de contatos aberturas, relações informais entre os alunos. Em seguida, o grupo começa a se organizar, de modo a que todos possam participar de discussões, cooperativas, assembléias, isto é, diversas formas de participação e expressão pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o grupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execução do trabalho.
Relação professor-aluno - A pedagogia institucional visa "em primeiro lugar, transformar a relação professor-aluno no sentido da não-diretividade, isto é, considerar desde o início a ineficácia e a nocividade de todos os métodos à base de obrigações e ameaças". Embora professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha a serviço do aluno, sem impor suas concepções e ideias, sem transformar o aluno em "objeto". O professor é um orientador e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma reflexão em comum.
Se os alunos são livres frente ao professor, também este o é em relação aos alunos (ele pode, por exemplo, recusar-se a responder uma pergunta, permanecendo em silêncio). Entretanto, essa liberdade de decisão tem um sentido bastante claro: se um aluno resolve não participar, o faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questão; quando o professor se cala diante de uma pergunta, seu silêncio tem um significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o grupo assuma a resposta ou a situação criada. No mais, ao professor cabe a função de "conselheiro" e outras vezes, de instrutor-monitor à disposição do grupo. Em nenhum momento esses papéis do professor se confundem com o de "modelo", pois a pedagogia libertária recusa qualquer forma de poder ou autoridade.
Pressupostos de aprendizagem - As formas burocráticas das instituições existentes, por seu traço de impessoalidade, comprometem o crescimento pessoal. A ênfase na aprendizagem informal, via grupo, e a negação de toda forma de repressão visam favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação está, portanto, no interesse em crescer dentro da vivência grupal, pois supõe-se que o grupo devolva a cada um de seus membros a satisfação de suas aspirações e necessidades.
Somente o vivido, o experimentado é incorporado e utilizável em situações novas. Assim, o critério de relevância do saber sistematizado é seu possível uso prático. Por isso mesmo, não faz sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos em termos de conteúdo.
Outras tendências pedagógicas correlatas - A pedagogia libertária abrange quase todas as tendências anti-autoritárias em educação, entre elas, a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos, e também a dos professores progressistas. Embora Neill e Rogers não possam ser considerados progressistas (conforme entendemos aqui), não deixam de influenciar alguns libertários, como Lobrot. Entre os estrangeiros devemos citar Vasquez e Oury entre os mais recentes, Ferrer y Guardia entre os mais antigos. Particularmente significativo é o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado entre nós, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu método.
Entre os estudiosos e divulgadores da tendência libertária pode-se citar Mauricio Tragtemberg, apesar da tônica de seus trabalhos não ser propriamente pedagógica, mas de crítica das instituições em favor de um projeto autogestionário. Em termos propriamente pedagógicos, inclusive com propostas efetivas de ação escolar, citamos Miguel Gonzales Arroyo.
3. Tendência progressista "crítico-social dos conteúdos"
Papel da escola - A difusão de conteúdos é a tarefa primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é também agir no rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a função da pedagogia "dos conteúdos" é dar um passo à frente no papel transformador da escola, mas a partir das condições existentes. Assim, a condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida" dos átimos. Entendida nesse sentido, a educação é "uma atividade mediadora no seio da prática social global", ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética), a uma visão sintética, mais organizada e unificada.
Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade.
Conteúdos de ensino - São os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face às realidades sociais. Embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social.
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata e desorganizada ao conhecimento sistematizado. Não que a primeira apreensão da realidade seja errada, mas é necessária à ascensão a uma forma de elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com a intervenção do professor.
A postura da pedagogia "dos conteúdos" - Ao admitir um conhecimento relativamente autônomo - assume o saber como tendo um conteúdo relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma reavaliação crítica frente a esse conteúdo. Como, sintetiza Snyders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de um lado, de obter o acesso do aluno aos conteúdos, ligando-os com a experiência concreta dele - a continuidade; mas, de outro, de proporcionar elementos de análise crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos, as pressões difusas da ideologia dominante - é a ruptura.
Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao engajamento político, mas não o inverso, sob o risco de se afetar a própria especificidade do saber e até cair-se numa forma de pedagogia ideológica, que é o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.
Métodos de ensino - A questão dos métodos se subordina à dos conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e de um saber vinculado às realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade (prática social). Assim, nem se trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da pedagogia tradicional, nem da sua substituição pela descoberta, investigação ou livre expressão das opiniões, como se o saber pudesse ser inventado pela criança, na concepção da pedagogia renovada.
Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem, então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber e relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo professor, momento em que se dará a "ruptura" em relação à experiência pouco elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a introdução explícita, pelo professor dos elementos novos de análise a serem aplicados criticamente à prática do aluno. Em outras palavras, uma aula começa pela constatação da prática real, havendo, em seguida, a consciência dessa prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma de um confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-se da ação à compreensão e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra coisa senão a unidade entre a teoria e a prática.
Relação professor-aluno – Se, como mostramos anteriormente, o conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador, então a relação pelica consiste no provimento das condições em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do adulto é insubstituível, mas acentua-se também a participação do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experiência imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao confrontá-la com os conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforço do professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos conteúdos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive dos contrastes entre sua própria cultura e a do aluno. Não se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e carências; buscará despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa.
Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise dos conteúdos exclui a não-diretividade como forma de orientação do trabalho escolar, porque o diálogo adulto-aluno é desigual. O adulto tem mais experiência acerca das realidades sociais, dispõe de uma formação (ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a ele cabe fazer a análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais. A não-diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos da esperados da educação. Sabemos que as tendências espontâneas e naturais não são o tributárias das condições de vida e do meio. Não são suficientes o amor, a aceitação, para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de progredir; é necessária a intervenção do professor para levar o aluna a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experiência vivida.
Pressupostos de aprendizagem - Por um esforço próprio, o aluno; se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua própria experiência. O conhecimento novo se apóia numa estrutura cognitiva já existente, ou o professor provê a estrutura de que o aluno ainda não dispõe. O grau de envolvimento na aprendizagem depende tanto da prontidão e disposição do aluno, quanto do professor e do contexto da sala de aula.
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos, do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência. Em consequência, admite-se o princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor procura dizer-lhes. A transferência da aprendizagem se má a partir do momento da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unificadora.
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, não como julgamento definitivo e dogmático do professor, mas como uma comprovação para o aluno do seu progresso em direção a noções mais sistematizadas.
Manifestações na prática escolar - O esforço de elaboração de uma pedagogia "dos conteúdos" está em propor modelos de ensino voltados para a interação conteúdos-realidades sociais; portanto, visando avançar em termos de uma articulação do político e do pedagógico, aquele como extensão deste ou seja, a educação "a serviço da transformação das relações de produção". Ainda que a curto prazo se espere do professor maior conhecimento dos conteúdos de sua matéria e o domínio de formas de transmissão, a fim de garantir maior competência técnica, sua contribuição "será tanto mais seja eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vínculos de sua prática com a prática social global", tendo em vista (...) "a democratização da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a transformação estrutural da sociedade brasileira".
Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a experiência pioneira, mas mais remota, do educador e escritor russo, Makarenko. Entre os autores atuais citamos B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial, G. Snyders, além dos autores brasileiros que vêm desenvolvendo investigações relevantes, destacando-se Dermeval Saviani. Representam também as propostas aqui apresentadas os inúmeros professores da rede escolar pública que se ocupam, competentemente, de uma pedagogia de conteúdos articulada com a adoção de métodos que garantam a participação do aluno que, muitas vezes sem saber, avançam na democratização efetiva do ensino para as camadas populares.
4. Em favor da pedagogia crítico-social dos conteúdos
Haverá sempre objeções de que estas considerações levam a posturas antidemocráticas, ao autoritarismo, à centralização no papel do professor e à submissão do aluno.
Mas o que será mais democrático: excluir toda forma de direção, deixar tudo à livre expressão, criar um clima amigável para alimentar boas relações, ou garantir aos alunos a aquisição de conteúdos, a análise de modelos sociais que vão lhes fornecer instrumentos para lutar por seus direitos? Não serão as relações democráticas no estilo não-diretivo uma forma sutil de adestramento, que levaria a reivindicações sem conteúdo? Representam as relações não-diretivas as reais condições do mundo social adulto? Seriam capazes de promover a efetiva libertação do homem da sua condição de dominado?
Um ponto de vista realista da relação pedagógica não recusa a autoridade pedagógica expressa na sua função de ensinar. Mas não se deve confundir autoridade com autoritarismo. Este se manifesta no receio do professor em ver sua autoridade ameaçada; na falta de consideração para com o aluno ou na imposição do medo como forma de tomar mais cômodo e menos estafante o ato de ensinar.
Além do mais, são incongruentes as dicotomias, tão difundidas por muitos educadores, entre "professor-policial" e "professor-povo", entre métodos diretivos e não-diretivos, entre ensino centrado no professor e ensino centrado no estudante. Ao adotar tais dicotomias, amortece-se a presença do professor como mediador pelos conteúdos que explicita, como se eles fossem sempre imposições dogmáticas e que nada trouxessem de novo.
Evidentemente que, ao se advogar a intervenção do professor, não se está concluindo pela negação da relação professor-aluno. A relação pedagógica é uma relação com um grupo e o clima do grupo é essencial na pedagogia. Nesse sentido, são bem-vindas as considerações formuladas pela "dinâmica de grupo", que ensinam o professor a relacionar-se com a classe; a perceber os conflitos; a saber que está lidando com uma coletividade e não com indivíduos isolados, a adquirir-se a confiança dos alunos. Entretanto, mais do que restringir-se ao malfadado "trabalho em grupo", ou cair na ilusão da igualdade professor-aluno, trata-se de encarar o grupo-classe como uma coletividade onde são trabalhados modelos de interação como a ajuda mútua, o respeito aos outros, os esforços coletivos, a autonomia nas decisões, a riqueza da vida em comum, e ir ampliando progressivamente essa noção (de coletividade) para à escola, a cidade, sociedade toda.
Por fim, situar o ensino centrado no professor e o ensino centrado no aluno em extremos opostos é quase negar a relação pedagógica porque não há um aluno, ou grupo de alunos, aprendendo sozinho, nem um professor ensinando para ás paredes. Há um confronto do aluno entre sua cultura e a herança cultural da humanidade, entre seu modo de viver e os modelos sociais desejáveis para um projeto novo de sociedade. E há um professor que intervém, não para se opor aos desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia do aluno, mas para ajudá-lo a ultrapassar suas necessidades e criar outras, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no seu esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudado a compreender as realidades sociais e sua própria experiência.
LIBÂNEO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. In: ________ . Democratização da Escola Pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992. cap 1. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAehikAH/libaneo>. Acesso em 15abr2013.
Publicado anteriormente na Revista da ANDE, n° 6, 1982. Republicado aqui com algumas alterações.
Dermeval SAVIANI, “Tendências pedagógicas contemporâneas”, p.65
A designação "progressivista" vem de "educação progressiva", termo usado por Anísio Teixeira para indicar a função da educação numa civilização era mudança, decorrente do desenvolvimento científico (idéia equivalente a "evolução" em biologia). Esta tendência inspira-se no filósofo e educador norte-americano John Dewey. Cf. Anísio Teixeira, Educação Progressiva.
Acácia A. KUENZER e Lucília R. S. MACHADO, "Pedagogia Tecnicista", in Guiomar N. de MELLO (org.), Escola nova, tecnicismo e educação compensatória, p. 34.
Cf. Carl ROGERS, Liberdade para aprender.
Lígia O. AURICCHIO. Manual de tecnologia educacional, p.25.
Para maiores esclarecimentos, cf Lígia de AURICHIO, Manual de Tecnologia Educacional; J.G.A. OLIVEIRA, Tecnologia Educacional teorias da instrução.
Sobre a introdução da pedagogia tecnicista no Brasil, cf. Barbara FREITAG, Escola, Estado e Sociedade; Laymert G. S. GARCIA, Desregulagem — Educação, Planejamento e Tecnologia como ferramenta Social no Brasil, entre outros. 9 Cf. George SNYDERS, Pedagogia Progressista.
Cf. Paulo FREIRE: Ação Cultural para a Liberdade; Pedagogia do Oprimido e Extensão ou Comunicação?
Cf Michel LOBROT. Pedagogia instotucional, la escuela hacia la autogestión.
Cf., a esse respeito, G SNYDERS, para onde vão as pedagogias não-diretivas?
Cf Dermeval SAVIANI, Educação: do senso comum à consciência filosófica, p.120; Guiomar N de MELLO, Magistério de 1° grau..., p.24, Carlos R. J. CURY, Educação e contradição: elementos..., p.75.
Dermeval Saviani, Escola e democracia, p.83
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