Rendimentos são engordados por adicionais legais, sustentados por interpretações da legislação
Esses valores superam os pagos a um juiz similar no Reino Unido, que recebe cerca de R$ 29 mil, e até dos Estados Unidos, cujo salário mensal médio é de R$ 43 mil. Chega a ser superior a juízes da Suprema Corte de países da União Europeia, como Bélgica e Portugal.
Os salários básicos são engordados por adicionais legais, sustentados por interpretações da legislação. Mas formam vários andares acima do teto. Como disse a ministra Cármen Lúcia numa audiência no STF: "Além do teto, tem cobertura, puxadinho e sei mais lá o quê", numa referência ao fato de que o limite vale mesmo apenas para os 11 ministros do Supremo.
Os juízes são o topo da cadeia de servidores públicos, diz o responsável pelo levantamento, Nelson Marconi, coordenador Executivo do Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Segundo Marconi, quando há uma demanda por qualquer tipo de benefícios no funcionalismo, os juízes costumam abrir o ciclo de negociações. Na sequência, diz, vêm Polícia Federal, Receita, advogados do Executivo, Banco Central e Tesouro Nacional, numa fila que se estende até funcionários administrativos e professores.
Este ano, o poder de mobilização do Judiciário já foi visto. Foi a primeira a defender o seu reajuste salarial, tão logo o governo interino assumiu. Na negociação do pacote de ajuda de União aos Estados, foi a primeira categoria que se opôs à contabilização dos ganhos adicionais como parte dos salários, para fins de adequação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
"Todas as categorias vão atuar contra o ajuste fiscal, basta ver que depois que os juízes conseguiram o reajuste as demais entraram pedindo o seu também", diz Marconi. "O verdadeiro desafio será vencer o corporativismo de inúmeras categorias que vão se mobilizar para pressionar o Congresso e escapar da tesoura", diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Adicionais
Marconi explica que o teto do Judiciário é rompido por uma série de verbas adicionais. Há diferentes abonos e gratificações - por tempo de serviço, por dupla função e substituição de colegas em férias ou em licença. Também existem os auxílios - auxílio pré-escolar, auxílio-saúde, auxílio-moradia. Os ganhos adicionais são legais e uma parte deles são até eventuais - como gratificações natalinas ou por férias ou mesmo por ganhos em processos judiciais movidos pelos próprios juízes.
"Tudo deveria estar dentro do subsídio, mas ficou difícil conseguir aumentos no subsídio e vieram os penduricalhos", diz Janaina Penalva, professora de direito constitucional da Universidade de Brasília. Por causa dos "penduricalhos", diz, a transparência fica prejudicada. Mesmo os dados divulgados são "restritos" e "obscuros".
As circunstâncias políticas, porém, em que o Judiciário é protagonista, principalmente na área criminal com a Operação Lava Jato, não são, para ela, consideradas favoráveis: "Há um desinteresse estratégico neste momento por pressionar o Judiciário." Pesquisa O levantamento sobre os ganhos mensais de desembargadores nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foi feito pela internet, nos links dedicados à transparência nos sites dos Tribunais de Justiça. Chamaram a atenção os altos valores pagos em janeiro e junho deste ano em Minas, muitos superiores a R$ 100 mil líquido. Alguns eram próximos a R$ 200 mil.
Por outro lado, causou estranhamento a média paga no Rio, inferior a R$ 40 mil mensal, pois em outros levantamentos os salários eram maiores.
Atribuiu-se a diferença ao fato de o Estado do Rio atravessar uma grave crise financeira. Os pesquisadores dizem que não foi uma tarefa fácil localizar os números. Exige paciência para se localizar as planilhas, e os dados, por sua vez, não seguem padrões e não há clareza se lá constam todas as informações.
Os levantamentos foram feitos por amostragem, em dois períodos: o primeiro semestre de 2016, para retratar o comportamento dos ganhos na crise econômica, e nos 12 meses entre junho do ano passado e julho desse ano, para se evitar distorções, em caso de concentrações de pagamentos em alguns períodos.
Cálculo do teto segue a lei, dizem tribunais
Procurados pela reportagem, as assessorias de imprensa dos Tribunais de Justiça defenderam a forma de cálculo adotada para cumprir o teto salarial do Judiciário, com os adicionais que chegam a mais que dobrar o salário-base.
O tribunal mineiro destacou que "a remuneração mensal de magistrados e servidores respeita os limites legais e o teto constitucional e que acréscimos à remuneração decorrentes de passivos ou de natureza indenizatória não integram os limites do teto remuneratório ou da Lei de Responsabilidade Fiscal".
O Tribunal de Justiça de São Paulo complementou que "o teto constitucional, até mesmo por imposição legal, não pode abranger verbas de natureza indenizatória, tais como auxílio-alimentação e indenizações de férias não gozadas por absoluta necessidade do serviço."
O tribunal paulista destacou ainda que não foi contra o teto para os gastos do funcionalismo dentro do projeto de negociação das dívidas dos Estados: a oposição foi à proposta de alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi "indevidamente embutida" na proposta "sem prévia e ampla discussão de suas consequências para o serviço público em geral". Em relação ao reajuste da categoria, disse ainda:
"Não nos posicionamos em favor de aumento de vencimentos ou subsídios, mas pela simples reposição das perdas geradas pelo desgaste inflacionário." O Tribunal de Justiça do Rio enviou nota dizendo que, por causa da Olimpíada, estava em regime de plantão, sem condições de atender os questionamentos da reportagem.
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