Vivemos um momento de acirramento da crise no Brasil com o descortinar sem precedentes de escândalos de corrupção para todos os lados. As pessoas foram às ruas também de forma inédita, mas ainda temos muitas incertezas no caminho. A insatisfação parece generalizada e uma reflexão importante que precisa ser feita com mais intensidade diz respeito à ética. Para além da discussão atual de impeachment e de como sair da crise, como combater de forma duradoura a corrupção que parece ter tomado conta da política brasileira senão com um profundo resgate da ética?
Afinal de contas, o que é esta ética que nos falta, que impede nosso país de ser tão grandioso quanto à magnitude de nossas riquezas naturais distribuídas em nossa vastíssima extensão territorial e multiplicada pela energia transformadora de cerca de 200 milhões de cidadãos que têm muito orgulho de ser brasileiros?
Ao pesquisarmos seu significado vemos que ética é um "conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade”. Trata-se de "virtude caracterizada pela orientação dos atos pessoais segundo os valores do bem e da decência pública”. Ela "serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado”. Assim, "está relacionada com o sentimento de justiça social”.
A origem dessa discussão ocorreu na Grécia antiga com Sócrates, Platão e Aristóteles, que nos deixaram importantes considerações sobre a ética na política. Entre outros, Platão, com sua visão mais idealista, relacionou ética a justiça. Já Aristóteles, com sua visão mais realista, demonstrou que ética e política são práticas que se definem pela ação: agir segundo a virtude.
Ações dissociadas de ética pautaram nossa sociedade com graves implicações na esfera política, culminando em corrupção. Corrupção essa que tornou-se sistêmica ou endêmica. Mas como chegamos a este ponto?
Em primeiro lugar, corrupção não é um privilégio brasileiro. A organização Transparência Internacional publica todos os anos um índice de percepção da corrupção que constata que nenhum país no mundo está livre de corrupção. Em 2015, o Brasil ocupou a 76a posição no ranking, já refletindo o impacto do escândalo da Petrobrás, mas a boa notícia é que muitos países melhoraram o seu resultado.
Segundo José Ugaz, presidente da Transparência Internacional, corrupção pode ser combatida se trabalharmos juntos: “Para eliminar o abuso de poder, o suborno e dar visibilidade aos acordos secretos, os cidadãos devem juntos dizer aos seus governantes que basta”. Um grande desafio de bastante impacto é reduzir a impunidade para os crimes cometidos.
Em segundo lugar, tivemos que administrar uma certa herança da colonização portuguesa. No caso do Brasil, dois conceitos importantes para entender a situação em que nos encontramos é o de patrimonialismo, ou seja, quando os governantes ou o Estado não faz distinções entre os limites do público e os limites do privado; e o de clientelismo, ou seja, a prática política de troca de favores. O fato é que herdamos da colonização portuguesa a prática político-administrativa do patrimonialismo e desenvolvemos o clientelismo ao longo de nossa vida política.
Para quem tiver curiosidade de entender melhor o tema, seguem aqui algumas recomendações de leitura que retratam muito bem o patrimonialismo no Brasil: Victor Nunes Leal, "Coronelismo: enxada e voto”; Raymundo Faoro, “Os Donos do Poder”; e Simon Schwartsman, “As bases do autoritarismo brasileiro”. Para uma leitura mais rápida, aqui vai a dica de um site que traz uma abordagem simplificada da formação brasileira. 
Com o tempo passamos a condenar essas práticas, aprovamos leis e criamos instituições para combatê-las. As condenações já realizadas e as investigações em andamento pela Polícia Federal como parte da operação “Lava Jato”, a maior investigação de corrupção da história do país deflagrada em março de 2014, estão tendo grande repercussão e espera-se que sigam o seu curso e promovam uma grande transformação no Brasil.
Em terceiro lugar, será por acaso que só temos uma empresa, a Natura, listada em 2016 entre as 131 empresas mais éticas do mundo segundo a Ethisphere? Alguns podem argumentar que a premiação não seja muito conhecida no Brasil. Outros dirão que muitas das empresas listadas, ou todas, apesar de terem sua origem em outros países, fazem parte do setor privado brasileiro, como é o caso da GE, L’Oréal, Accenture, Iberdrola, 3M, Intel, Microsoft e etc.
Quando falamos em ética, precisamos ter em mente que, como passamos a maior parte do dia no trabalho, ter empresas com bons códigos de ética que sejam aplicados em todos os níveis, com treinamentos regulares e revisões periódicas, ajuda a aumentar a consciência, disseminar a boa prática e formar bons líderes. Em relação aos escândalos de corrupção, além dos políticos várias empresas estão envolvidas e a discussão precisa ocorrer tanto sob o ponto de vista público como privado.
Mas como assegurar uma transformação profunda e duradoura?
Apesar do grande impacto na área política, a questão ética abrange toda a sociedade. É necessário o resgate da ética na política, mas também nas empresas, na concorrência, no mundo dos negócios em geral, nos esportes, no jornalismo, na sociedade como um todo.
A base do problema está na educação e no desenvolvimento de nossa consciência enquanto indivíduos e como coletividade. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis à vida ética. O desenvolvimento da consciência ajuda no processo de educação da nossa vontade, para melhor escolhermos entre o certo e o errado. E a responsabilidade está ligada à capacidade do indivíduo de responder por seus atos.
O importante é entender que há limites a serem respeitados. Muitos já estão contemplados em códigos e legislações específicas que precisam ser aplicadas, com a devida punição aos crimes cometidos mostrando claramente que há consequências para as ações. Outros tantos são de cunho moral e precisam ser discutidos e esclarecidos. Como é mais fácil criticar o vizinho do que mudar uma conduta que traz benefícios para si próprio ou para os seus familiares e amigos, desenvolver a consciência desses limites mais sutis é igualmente importante.
Uma campanha disseminada em 2014 e retomada recentemente nas redes sociais exemplifica pequenas corrupções muito comuns em nossa sociedade e chama o cidadão a fazer a sua parte.
Esta e outras são instrumentos interessantes para o tão necessário resgate da ética. O exemplo continua sendo o maior mestre de todos os tempos e precisamos nos lembrar que só inspiraremos as gerações futuras a agirem com mais transparência e ética se nos conscientizarmos de que todas as nossas ações contam e podem gerar grande impacto em nossos filhos, familiares, amigos e colaboradores.
Cada um ao seu jeito, com a sua crença e o seu poder de contribuição pode e deve ser um agente de mudança pautado na ética e inspirando outros. Que as disputas que no momento ocorrem na esfera política sejam um convite à reflexão e que esta reflexão nos ajude a resgatar a ética em todas as esferas da vida em sociedade, nos levando a agir por meio da disciplina da vontade e da democracia consciente.


www.linkedin.com/pulse/o-resgate-da-ética-adriana-machado?trk=hp-feed-article-title-channel-add