A estudante Ana Luisa Pacheco Jordão, 14 anos, aluna da 8ª série do colégio Doutor Alfredo Castro, em São Paulo, nunca havia sido reprovada até o final de 2005. Foi quando se complicou com matemática e inglês. Dona de um histórico escolar de boas notas, Ana Luisa tinha mudado de escola naquele ano e, por não ter se adaptado ao novo ambiente, começou a ter problemas com o boletim.
Exemplos assim costumam ser citados pelos pedagogos como um forte argumento em defesa da ferramenta, pela qual um aluno reprovado pode ser reavaliado por outro estabelecimento de ensino e, caso seja classificado, passar para a série seguinte livre de pendências. Previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), o serviço pode ser encontrado num número cada vez maior de escolas. Em linhas gerais, os pedagogos costumam concordar num ponto: se aplicada com critérios claros e compromisso, a reclassificação pode trazer bons resultados dentro e fora da sala de aula. Para eles, o recurso faz parte de uma discussão maior, trazida pela LDB, que fez da inclusão uma palavra-chave para qualquer projeto pedagógico. O desafio está na escolha da escola.
"A reclassificação é um caminho para que o aluno recupere a vontade de estudar", explica Márcia Castro Freire, diretora do Doutor Alfredo Castro. Ela conta que já viu inúmeros casos de jovens reprovados em disciplinas como espanhol, história ou filosofia, a seu ver conteúdos passíveis de serem recuperados sem que seja necessário repetir a série. A escola recebe, todos os anos, oito alunos novos, em média, por meio da reclassificação. Até hoje não há registro de nenhum caso de reprovação no período seguinte entre esse grupo. "Todos são gratos por terem tido uma segunda chance", avalia.
O bom desempenho dos reclassificados está ligado a um outro cuidado importante: o acompanhamento por parte dos professores. "Todos os docentes sabem os motivos pelos quais os alunos procuraram a reclassificação e acompanham o rendimento de cada um a partir dessas informações", explica.
Drible na aprendizagem
Para o coordenador do ensino médio do Colégio Lourenço Castanho, em São Paulo, Wagner Cafagni Borja, a reclassificação foi instituída com boas intenções, mas, na prática, há muitas escolas adotando o recurso com "frouxidão". A intenção, nesse caso, seria encher as salas de alunos. "Alguns estudantes procuram essas instituições para tentar ludibriar o sistema, ou seja, passar na prova e pedir para voltar à escola de origem", diz.
Diretora escolar do Colégio Augusto Laranja, Rosa Costa já presenciou situações do gênero. E por isso mesmo avalia que, entre os estabelecimentos que oferecem a reclassificação, os mais comprometidos são justamente aqueles nos quais os jovens permanecem depois de passar na prova. Perguntada sobre os motivos pelos quais o Augusto Laranja não adotou o serviço, explica que a instituição prefere investir no acompanhamento dos alunos ao longo do ano, com recuperações trimestrais. Em caso de reprovação, os pais decidem o que fazer. "Esclarecemos que, em determinadas situações, passar o aluno de ano não é produtivo. Mais tarde, essa lacuna vai aparecer."
Marina Pacheco Jordão e a filha, Ana Luisa: opção pela reclassificação em função dos problemas com a adaptação ao novo colégio
Em alguns estabelecimentos que utilizam o mecanismo, o trabalho de detetive a respeito dos motivos que levaram à procura pelo recurso começa com uma entrevista minuciosa com os pais. "Faço uma investigação ampla até mesmo para tentar descobrir algo na família ou no estado de saúde do aluno que tenha levado à queda no desempenho", diz Edimara de Lima, diretora da Prima Escola Montessori, em São Paulo.
Dois exames básicos são indicados nessa etapa: uma audiometria, para avaliar se a audição está normal, e uma visita ao oftalmologista. Se o check-up resumido não trouxer nenhuma novidade, a análise se volta para a situação familiar
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Edimara de Lima, diretora da Prima Escola Montessori: investigação ampla para descobrir o que levou à queda no desempenho
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Nesse estágio, há histórias como a de um aluno reclassificado depois de ser reprovado, pela primeira vez, na 4a série. "Era um estudante excelente, mas que tinha vivido, num intervalo curto de tempo, situações como a perda de um avô, o sumiço do pai e um assalto que deixou sua casa vazia ", conta. "Não só o aceitamos como recomendamos que o menino passasse por um processo de terapia."Além da entrevista com a família, o processo do Prima Montessori envolve a análise do material utilizado ao longo do ano. "Pedimos para ver provas, cadernos, tarefas. Isso dá uma visão ampla de como o estudante se comporta, do seu grau de compromisso", diz Edimara. Concluído esse trabalho, são reclassificados aqueles que têm chances de melhorar no ano seguinte. "Admitimos todos que têm potencial de superação", afirma.
Seleção rigorosa
Para testar o potencial de quem se habilita a essa segunda chance em suas dependências, o Cidade de São Paulo investe na elaboração de uma prova rigorosa, com conteúdos trabalhados em todo o ano na disciplina em que houve a reprovação, e limita o acesso do aluno a duas matérias pelo sistema de reclassificação.
Para se ter uma idéia, em dezembro de 2006 quatro jovens fizeram os testes no colégio. Nenhum deles foi aceito. Desde 2003, quando a instituição passou a oferecer o sistema, apenas seis alunos foram admitidos dessa forma. "Precisamos ser exigentes. Não vemos esse instrumento como um jeito mais fácil de passar de ano", explica Regina Ratto, coordenadora de educação do Ensino Fundamental 2 do Cidade São Paulo. A educadora não acredita que escolas sérias sofram problema de imagem com a seleção de alunos pela reclassificação. Mas admite já ter sido questionada pelos próprios estudantes a respeito do assunto.
"Alguns chegam a pedir que não aceitemos mais reclassificados", conta. "Explico que os alunos de fora merecem o mesmo tratamento que eles, que têm direito a fazer uma segunda prova em janeiro", argumenta Regina.
O bom senso também é a tática utilizada pela escola Carandá, em São Paulo, para evitar distorções. "Explicamos aos pais que não vale a pena tentar reclassificar o filho que levou bomba em oito matérias", diz Irene Terron Gadel, diretora do ensino médio da instituição. "Correr para recuperar tudo estudando nas férias não surte efeito", opina. "Ter tirado notas baixas em até três matérias é um limite razoável para passar pela reavaliação."
Em termos conceituais, a reclassificação foi incluída na LDB como um estímulo à permanência do aluno na escola, principalmente entre os matriculados da rede pública, onde a evasão é infinitamente maior. "Trata-se de uma ferramenta de inclusão, com foco no trabalho pedagógico e na aprendizagem", explica Raquel Volpato Serbino, presidente da Gal Consultoria em Educação, de Botucatu, interior paulista. Segundo ela, a reclassificação ajuda a ampliar a discussão a respeito dos motivos que envolvem uma reprovação. "Até pouco tempo atrás, a culpa pelo mau desempenho era só do aluno. Mas onde fica o papel do professor que não o ensinou como poderia? E o da escola, que não o apoiou?", questiona. "A reclassificação pode ser valiosa desde que respeite as diferenças e seja aplicada com critérios", completa.
PROGRESSÃO PARCIAL, OUTRA POSSIBILIDADE
Espécie de prima da reclassificação, a progressão parcial dos estudos também ganhou ênfase com a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96. Pela ferramenta, os estudantes podem passar para a série seguinte desde que cursem novamente as disciplinas nas quais tiraram notas baixas no ano anterior. As unidades do Objetivo na capital paulista oferecem ambos os recursos, mas a direção da rede diz ter preferência pela progressão. "Ela permite que seja desenvolvido um trabalho mais amplo de retomada da aprendizagem", diz Márcia Carvalhinha, coordenadora do Departamento de Programação Geral do Objetivo em São Paulo. Para fazer a progressão parcial num colégio da rede, é preciso ter sido reprovado em, no máximo, três matérias. As aulas dos conteúdos pendentes acontecem sempre em horário diferente do período regular e são distribuídas numa carga horária média de vinte horas/ano por disciplina. Se existe algum temor de que isso prejudique a imagem do colégio? "Se o acompanhamento dos estudantes é bem feito, não há por que temer a progressão parcial ou a reclassificação", afirma Maria Luiza Guimarães, coordenadora de ensino médio do Objetivo e diretora da unidade da Avenida Paulista. "Somos inclusivos, e por isso não viramos as costas para os alunos em dificuldade", diz.
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