Irresponsabilidade com gastos dá impeachment? Juristas expõem visões opostas
Irresponsabilidade com gastos dá impeachment? Juristas expõem visões opostas
Mariana SchreiberDa BBC Brasil em Brasília
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Esta quarta-feira pode ser um dia decisivo para a presidente Dilma Rousseff. O Tribunal de Contas da União (TCU) deve emitir um parecer sobre as contas do governo de 2014, recomendando ao Congresso Nacional rejeitá-las ou aprová-las.
Há a expectativa de que a maioria da corte, formada por nove ministros, vote pela reprovação da gestão fiscal petista, devido a operações irregulares que teriam melhorado artificialmente o resultado do Orçamento e evitado a necessidade de cortes de gastos no ano eleitoral.
Um parecer nesse sentido aumentaria a pressão para que o Congresso rejeite as contas de Dilma, decisão que a oposição pretende usar para fundamentar a tentativa de abertura de um processo de impeachment na Câmara dos Deputados. A BBC Brasil entrevistou dois juristas sobre essa possibilidade, um contra e outro a favor.
Na avaliação de Joaquim Falcão, diretor da faculdade de Direito da FGV-Rio, a rejeição das contas não é suficiente para embasar um impeachment. Entre outros argumentos, ele cita o fato de que não há precedente de uma autoridade do Poder Executivo (seja governador ou prefeito) afastado do cargo por esse motivo.
Já o professor de direito administrativo da PUC-SP Adilson Dallari, defende o contrário e sustenta seu argumento no artigo 85 da Constituição Federal, que prevê que "atos que atentem contra a lei orçamentária" são crimes de responsabilidade que podem gerar impeachment.
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Diante do risco elevado de uma decisão desfavorável no TCU, o governo vem atuado para tentar atrasar a apreciação das contas pela corte. No início da semana, a Advocacia-Geral da União protocolou um pedido de suspeição (quando há suspeita de falta de imparcialidade) contra o ministro-relator do caso, Augusto Nardes, tentando afastá-lo do julgamento. A justificativa é que ele deu diversas declarações à imprensa antecipando seu voto contra o governo, o que é proibido pelas regras do tribunal de contas.
A previsão estabelecida pelo TCU é que os demais oito ministros decidam na tarde desta quarta-feira, em sessão marcada para às 17h, se Nardes deve ou não ser afastado. Caso votem pela sua manutenção no caso, a apreciação das contas ocorrerá em seguida.
No entanto, na noite de terça-feira o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a análise das contas até que o TCU decida sobre o pedido de afastamento de Nardes. Uma decisão do ministro do STF Luiz Fux é aguardada para esta tarde.
Confira abaixo a opinião dos dois juristas ouvidos pela BBC Brasil: A rejeição das contas de governo é motivo para um processo de impeachment?
Joaquim Falcão, diretor da faculdade de direito da FGV-Rio, considera que uma eventual parecer do TCU pela rejeição das contas de 2014 do governo de Dilma Rousseff, mesmo que venha a ser confirmado pelo Congresso, não é suficiente para justificar juridicamente a abertura de um processo de impeachment da presidente.
Ele argumenta que não haveria precedente de decisões anteriores nesse sentido. Segundo pesquisa realizada por sua equipe, a punição aplicada pela Justiça Eleitoral a prefeitos e governadores que já tiveram as contas rejeitadas pelo Poder Legislativo local foram multas e a proibição de poder se candidatar nos anos seguintes.
"Será uma novidade você dizer que cometer crime contra responsabilidade fiscal dá impeachment. Nunca houve (impeachment por rejeição de contas)", disse.
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"Depois, uma eventual rejeição (das contas) vai ser contestada no Supremo pelo governo. É imprudente o Congresso decidir (abrir um processo de impeachment) com base em um assunto pendente no Supremo", destacou.
Outro ponto citado por Falcão para refutar essa hipótese é que as contas que estão sendo analisadas pelo TCU são de 2014, último ano do primeiro mandato de Dilma, e a Constituição Federal prevê que apenas crimes de responsabilidade praticados no atual mandato poderiam justificar um impeachment. "Ou seja, mais uma questão para o Supremo", afirma.
Além, disso, observa Falcão, mesmo que tenha havido irregularidades, teria que ser comprovado que foi uma decisão direta da presidente para que seja possível sustentar a abertura de um processo de impeachment. "O terceiro argumento (contra a abertura de impeachment) é que não é um ato individual dela, mas é uma política de governo (a gestão fiscal)", diz.
"Meu raciocínio é que esse conjunto torna a coisa, do ponto de vista técnico, extremamente difícil", acrescentou.
O diretor da FGV Direito Rio, no entanto, não descarta completamente a possibilidade de impeachment devido ao aspecto político do julgamento. Ele ressalta, porém, que um impeachment sem uma justificativa clara poderia comprometer a imagem do Brasil perante à comunidade internacional, o que pode servir como um fator inibidor desse processo.
"É um julgamento político. Então, o Congresso pode dizer, como disse para o (ex-presidente Fernando) Collor, que isso (a rejeição das contas) fere a dignidade do cargo. Agora, você ferir a dignidade do cargo é uma coisa muito ampla. Não existe uma definição unívoca do que é a dignidade. O que vai decidir isso é o número de votos (no Congresso)", observou.
"Estive com vários banqueiros e investidores. Para o mercado externo, é muito complicado um impeachment que não seja totalmente claro porque a continuidade democrática é um dos ativos do Brasil hoje. A visão externa não comporta interpretações muito elásticas", insistiu.
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Ele observa que, no caso o impeachment do Collor, havia comprovações de uso de recursos provenientes de corrupção para uso pessoal, como a compra de um carro Fiat Elba.
Na avaliação de Falcão, a estratégia da oposição à Dilma é "criar um clima de insegurança a favor do impeachment". Segundo ele, "nenhum dos pedidos (de abertura de processo já apresentados na Câmara) traz fatos concretos".
"Eles tratam de hipóteses com base em decisões futuras do TSE (que vai julgar as contas de campanha de Dilma) ou do TCU. De momento não tem nada. O que não quer dizer que pode vir a ter", ressalta.
O jurista Adilson de Abreu Dallari, professor de direito administrativo da PUC-SP, produziu em maio um parecer sustentando que Dilma poderia sofrer um impeachment por atos do primeiro mandato do seu governo. O documento havia sido encomendado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo.
De lá para cá, ele considera que as evidências de irregularidades na gestão fiscal se avolumaram e tornaram mais fortes os argumentos favoráveis ao impeachment.
Ele cita o artigo 85 da Constituição Federal que prevê que "atos que atentem conta a lei orçamentária" são considerados crimes de responsabilidade. Na sua avaliação, o governo também desrespeitou trechos da lei 1.079, que regulamenta o processo de impeachment, e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe que o governo tome recursos emprestados de bancos públicos.
O professor destaca o caso das "pedaladas fiscais", em que o governo atrasou em grande volume (R$ 40 bilhões) repasses para bancos pagarem benefícios como o Bolsa Família e o seguro-desemprego. Como os bancos desembolsaram os recursos mesmo assim, isso configuraria empréstimo à União.
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Dallari considera que o caso é ainda mais grave porque as irregularidades melhoram as contas públicas artificialmente em ano eleitoral. Na sua avaliação, já está comprovado que houve crimes.
"No Tribunal de Contas, o ministro decide depois do pronunciamento dos órgãos técnicos. E os órgãos técnicos já se pronunciaram. Então, não dá mais para negar um fato, porque está tudo documentado", disse.
Dallari argumenta que Dilma tem responsabilidade direta sobre os atos praticados.
"Pela Constituição Federal, o Presidente da República é o chefe de governo. Os ministros são subordinados. Então, a responsabilidade é do chefe. Não tem como escapar disso", argumenta.
"O importante nessa história é que não estamos falando de uma transgressão feita por uma subagência do instituto de pesquisa contra malária lá no interior da Amazônia. Estamos falando de coisas que aconteceram necessariamente no nível superior do governo", ressaltou.
Dallari rebate o argumento de que não haveria precedente para um impeachment da presidente por rejeição de contas do governo. Na sua avaliação, o fato de decisões de órgãos do Legislativo locais não terem levado à cassação de mandatos de prefeitos pode ser consequência do apoio político angariado por eles nas câmaras municipais.
"Para que o pedido de impeachment vá para diante, é preciso ter dois terços do Legislativo. Vamos falar português, é o que a Dilma está tentando fazer agora com essa reforma (ministerial, anunciada semana passada): conseguir apoio de um terço dos parlamentares. Ela pode ter cometido todos os crimes do mundo, se tiver um terço dos votos, não haverá impeachment", observou.
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Na avaliação de Dallari, quando um governante do Poder Executivo é reeleito, seu mandato passa a ter oito anos na prática, pois não há interrupção de governo. Para ele, isso permite que juridicamente Dilma sofra um impeachment por atos praticados antes da sua reeleição. O professor considera que se isso não for possível cria-se um incentivo para que se cometam irregularidades no quarto ano de mandato.
"Essa teoria de restringir ao mandato atual é completamente absurda porque ela é um incentivo à corrupção", afirmou.
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